A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte VII
Longe das montanhas de gelo
O resgate da donzela que,
depois se ficou sabendo ser a princesa Annabel de Liz, havia ocorrido após
Guilherme, o cavaleiro negro, ter caçado e vencido o terrível Orlum, o Lobo
Invernal. Foi desse modo que o rei Grusk, líder dos Gigantes de Gelo abriu mão
de seu tesouro mais valioso: a princesa Annabel, mantida como prisioneira
pelo rei dos gigantes para que ele contemplasse a sua beleza.
A viagem de volta foi
silenciosa entre os dois, pois Guilherme era de natureza reservada, assim como
a princesa que, mantinha a discrição. Uma vez que, o casal partiu do reino dos
gigantes, muitas provações acabaram surgindo. Sair do daquele reino era algo
tão árduo quanto chegar nele. No entanto, o cavaleiro negro mostrou toda a sua
tenacidade ante as intempéries, forçando todo o se vigor físico, Guilherme
empreendeu a jornada de atravessar as tortuosas e traiçoeiras cordilheiras do
ermo leste.
Galopando por estradas cobertas
de um tapete de folhas secas e amareladas, pois o outono chegara às terras além
da fronteira gélida da terra dos Gigantes de Gelo, o cavaleiro negro levava na
garupa de sua veloz montaria, o cavalo Spartaus,
a princesa. Por entre bosques, escalando colinas íngremes, Guilherme conseguiu
atingir as fronteiras do seu império, quando o calendário da colheita dos povos
do centro-norte datava, aproximadamente, cerca de um mês e meio de viagem, da
terra dos gigantes até onde ele havia chegado.
Sendo assim, quando o Rei sobre
a Colina dos Bruxos alcançou o senhorio da casa dos aristocratas Leones, Guilherme lembrou que, agora,
nesse momento de cansaço após essa dura jornada de volta, os seus vassalos da
Casa de Leones de Castela, deviam
prestar honra ao seu suserano, pois não só em tempos de guerra um vassalo deve
ser leal, mas também em tempos de paz. Passar despercebido
pelas terras daquela família de aristocratas foi uma preocupação a menos, pois um servo do manso senhorial do
Conde Salomão de Leones, noticiou o
seu senhor a respeito da presença de um cavaleiro de armadura negra,
acompanhado de uma donzela, galopando um puro sangue que, muito se assemelhava
ao mítico Spartacus do rei Guilherme.
Seguindo as ordens do Conde
Salomão de Leones de Castela, dois
cavaleiros foram imbuídos de interpelar o monarca Guilherme na estrada e, de transmitir
a mensagem acolhedora redigida numa carta selada pelo Conde que, revelava o
anseio deste de ter o magnânimo rei, acolhido no seu solar. O rei andarilho, ao
receber a mensagem, aceitou-a de bom grado e, foi ainda no fim daquela tarde
outonal, até o Solar dos Leones de Castela, vassalos juramentados do rei.
- Salve pater patrae! – disse o
Conde com fervor. – É uma honra, ter o rei-sacerdote em minha terra. Entenderei
isso como um prenúncio de boas novas.
O solar dos Leones de Castela
era uma residência de estilo gótico. Os traços arquitetônicos eram verticais e
finos. Um vitral com representações de cenas de luta, ficava na parte frontal
da construção. Era uma residência ampla e arejada, apesar da atmosfera muitas vezes
ser triste e sombria. Foi naquele lugar que,
o rei Guilherme ficou hospedado com a princesa Annabel
Na manhã seguinte, o Conde
Salomão, convidou o seu estimado hóspede para uma caçada no bosque. A princesa ficaria sob os cuidados das criadas no solar, enquanto os homens
iriam caçar raposas e outros animais silvestres.
Para a caçada, foram os dois
filhos do Conde, dois rapazotes recém investidos como escudeiros, eram garotos
por volta dos seus décimos sextos verões de vida. Os nobres levaram arcos
longos para a caçada, além dos perdigueiros. O bosque do senhorio dos Leones de
Castela, era um local recortado por inúmeros riachos, o que possibilitou a caça
ter sido prazerosa e revigorante para o rei Guilherme.
O saldo da caçada foi o abate
de quatro raposas, e um veado, todos abatidos pelo rei. Mostrando a já
anunciada fama do monarca, de ser um exímio caçador.
O ardil da feiticeira
Na esquecida e amaldiçoada
Floresta dos Trolls, a feiticeira que nunca esquecera o príncipe negro, tinha
plena consciência dos avanços obtidos pelo nobre Guilherme, e tudo isso
enfurecia o seu coração de maldade. Os inúmeros méritos conquistados por
Guilherme, o Rei Negro, eram proporcionais ao desprezo da feiticeira. Por isso,
ela havia despachado muitos espiões para que estes noticiassem os passos do Rei
durante a sua viagem volta. O espectro do Rei Hesdra, o Urso Cinzento, que
tinha sido invocado por ela, agora atormentava os aldeões e os nobres do reino
de Guilherme. O fardo dos Reis sobre a Colina dos Bruxos, nunca fora extirpado
pela promessa burlada pela feiticeira, e doía como uma fria ferida, no peito do
rei Guilherme.
Por meio do seu ardil, a
feiticeira mandou um serviçal até o Solar dos Leones de Castela, com o intuito
de plantar a traição no coração do Conde Salomão. Secretamente, o corvo, por
meio de um encanto obscuro, transmitiu as propostas maléficas da feiticeira ao
Conde. Dir-se-ia que honrarias e riquezas foram proferidas pelo corvo, conquistando
assim, o espírito do nobre anfitrião. Então, seguindo as diretrizes
estabelecidas pela feiticeira, o Conde, convidou o rei Guilherme para uma nova
caçada. Mas havia um ardil naquele convite, um mal irradiado pelas palavras do
corvo que, influenciaram a consciência do Conde. Portanto, ficou posto em
acordo que, na manhã seguinte, eles iriam caçar no bosque do senhorio, e por
meio de uma traição premeditada, o Conde iria cravejar um punhal nas costas do
despercebido Guilherme enquanto este estivesse distraído na caça aos ursos. A
sorte do cavaleiro negro estava lançada. Novamente o ardil da feiticeira
pairava como um fino véu de malicia sobre Guilherme.
A caçada
Agora é dito que, na manhã
seguinte os nobres foram novamente até o bosque. A caçada foi direcionada desta
vez, até as imediações do senhorio dos Krus, numa área afastada e de vegetação
mais espessa. Estavam no encalço de um urso marrom, com os dois filhos do Conde
na retaguarda, enquanto o rei Guilherme empunhava um arco longo, montando o seu
cavalo Spartacus. Foi quando o grupo finalmente alcançou os rastros do urso
que, o Conde Salomão fez um sinal para o rei.
- Meus filhos, deixemos essa
presa para a nossa majestade, o rei Guilherme. Seria uma honra para nós, se
vossa majestade abatesse essa fera. Com a cabeça do urso, poderíamos empalhá-la
e colocá-la perto da lareira no nosso solar, como prova da presença magnânima
do rei, quando ele nos visitou e, caçou conosco!
Os garotos consentiram com a
proposta do pai, visto que, desconheciam as reais intenções do seu progenitor. Guilherme,
então, lançou um olhar perscrutador sobre o Conde e, disse:
- Tens um olhar estranho. Parece
que tu passaste a noite em claro. Diria que, se não fosse pelos teus serviços
prestados a mim no campo de batalha contras as hordas de bárbaros no passado,
eu não teria confiança de aceitar essa sua proposta, Conde Salomão.
- Vossa majestade me insulta
com essas desconfianças... Fomos irmãos em tempos de combate, lembra-te disso.
Agora é dito que, o rei
Guilherme acreditou nas intenções sinceras do seu nobre servo, e tomou a
dianteira na caçada. Quando o rei ia puxando a corda do arco, e tinha já
colocado a cabeça do bestial urso na sua mira, de modo que, toda a sua atenção
estava concentrada naquele ato; o Conde Salomão tirou um punhal de suas vestes,
e lançou-se ardorosamente sobre o rei. Os dois combatentes forcejaram por uns
segundos, quando o Conde suplicou aos seus filhos para que eles atirassem no
rei. Os garotos hesitaram, mas as palavras de desespero proferidas por seu pai,
acabou impelindo a decisão dos jovens escudeiros rumo ao regicídio. Então, os
escudeiros empunharam suas espadas e atacaram o rei Guilherme.
Entretanto, a fortuna não havia
abandonado o rei naquele momento, pois o seu cavalo Spartacus, que lhe era inteiramente fiel, deu vigorosos coices nos
escudeiros, para depois, se aproximar dos dois combatentes que lutavam
corpo-a-corpo no chão. A espada de rubi do
rei, estava embainhada na sela do cavalo, então, com o seu último
recurso de força, Guilherme se desvencilhou do seu algoz e, brandindo
ferozmente a sua espada, matou os três regicídas.
Galopando desesperadamente,
Guilherme foi até o Solar do Leones de Castela, pois agora ele temia uma
traição dos serviçais do Conde Salomão, contra a princesa.
Ao chegar diante do portão do
solar, o cavaleiro negro ordenou que Spartacus
derrubasse o portão, logo após, entrou ruidosamente no solar procurando a
donzela. Ao encontrá-la, ele vestiu sua armadura negra, roubou mantimentos do
seleiro dos Leones, e partiu com Annabel rumo ao seu senhorio, na Colina dos
Bruxos. À sua frente, o casal teria ainda alguns dias de viagem. Guilherme
confidenciou com a princesa:
- Temo que essa traição tenha
sido plantada no espírito do estimado e leal, Conde Salomão, por meio dos ardis
ocultos e tenebrosos, da feiticeira... Nuvens escuras vêm atrás de nós, pois a
traição vêm dos justos e leais, revelando que até os amigos podem ser
convertidos em inimigos mortais.
- Mas quem é essa feiticeira? –
Quis saber Annabel, deixando de lado a sua natureza reservada.
- Quem ela é, não é a pergunta
certa, devemos tentar entender o que ela quer de mim... Creio que há uma
relação entre o fardo que carrego e, essa mulher.
E não se disse mais nada. O crepúsculo
vinha se aproximando, enquanto o casal se dirigia silenciosamente até o castelo
do rei Guilherme. Uma chuva escura caia sobre eles, mas nada além disso
atormento-os naquele fim de dia.
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