A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte XIII

Dies Irae


Após o réquiem do nobre Marechal Tito Lívio, uma carta selada foi trazida do mosteiro dos Clérigos da Espada, para que fosse entregue ao rei Guilherme por meio de um mensageiro monge. O conteúdo da carga consistia numa sanção espiritual redigida pelo sucessor de Tarquínio, o Condestável, no qual as atrocidades cometidas pelo rei Guilherme eram expressamente condenadas pela ordem clerical. Como medida de punição, o Rei Negro foi desligado da ordem de monges guerreiros, onde em tempos passados, tinha tido toda a sua formação em letras e armas. Entre tantas outras represálias, o sucessor de Tarquínio, um cavaleiro monge chamado de Miguel Terra, acusava o rei de praticar artes nefastas, magias profanas, contra a cristandade. Tendo respondido de modo seco e cortante, Guilherme externou sua mágoa contra os monges guerreiros, alegando que estes nunca o ajudaram em tempos de guerra, assim como acusou tacitamente a ordem de Tarquínio, de heresia e entre tantos outros pecados capitais, acusou a Ordem dos Clérigos da Espada de ser uma confraria de reles mercenários e avarentos luxuriosos. Então, irado pelas afrontas descabidas do monarca Guilherme, Miguel Terra mandou um dossiê sobre as práticas do Rei Negro para o Papa Clemente II. Dessa discórdia entre os monges guerreiros e Guilherme, resultou a excomunhão do rei. Advertido pelos outros nobres do reino de Guilherme, por meio de acusações sigilosas, o Papa tomara conhecimento dos excessos belicosos do monarca na Colina dos Bruxos. Ficara sabendo do sangue derramado do bom e honrado Tito Lívio, assim como tomara conhecimento das artes macabras praticadas pelo monarca. Foi assim que, sob a alegação de heresia e de ter derramado o sangue de um cristão, que Guilherme fora expulso do ordenamento espiritual cristão, devido as suas mazelas. Uma carta oriunda da Santa Sé, seguindo as diretrizes do direito canônico, invalidava todos os títulos conquistados pelo rei Guilherme. Não mais, seria um cavaleiro ungido em nome de Cristo. Rasgara assim, o fino véu de sagrado ainda existente em Guilherme, agora, o Rei dos Bruxos. Como era suserano de inúmeros nobres guerreiros, com sua excomunhão, arrastara muitos servos amedrontados e fascinados pelo seu exímio domínio das artes ocultas. Entretanto, entre os vassalos dissidentes, muitos tornaram-se inimigos juramentados do Rei Profano. Surgia agora, uma liga encabeçada pelo zeloso Miguel Terra, contra as hostes crapulosas de Guilherme, principal inimigo da cristandade. Entre os cavaleiros fiéis a Miguel Terra, o Monge da Espada Virtuosa, existia um discurso nunca declarado abertamente, mas que defendia uma guerra de reconquista das terras dominadas pelo Rei Herege.

Rex tremendae


Caio Marco, tornara-se o marechal das tropas do rei Guilherme. Recebera o fardo, logo após o assassinato de Tito Lívio, e estopim dos escândalos em torno da figura do monarca. Ficara imbuído de organizar e treinar as tropas contra um possível ataque dos inimigos do reino, isto é, a liga encabeçada por Miguel Terra. Cipião de Valais ainda que demasiado relutante, continuou sendo o Conselheiro do Rei, visto que Guilherme, agora, mais do que nunca precisava devotar seu tempo nos estudos alquímicos. Enquanto isso, seu filho Frederico, o Príncipe dos Bruxos, era educado pelo pupilo de Seth, o jovem Tracius. Tracius ensinava ao jovem nobre como ser um bom rei, ensinava-o a ler e escrever tanto na linguagem vernacular, quanto na linguagem latina. Tinha aulas de alaúde e de pintura. Sendo o herdeiro do rei, recebeu a espada de rubi após a cerimônia de investidura no salão, sob a presença imponente de Gaia Domus, árvore guardiã. Mas ao contrário dos seus antecessores, mostrara ser um garoto pouco apto as artes de guerra. Não montava bem nos cavalos do estábulo do rei, além de ser um péssimo espadachim. Sua mãe Annabel, via em tudo isso, uma forma do filho romper a tendência belicosa e declinante dos seus parentes, pois em sua mente, ainda estava muito fresco a memória dos atos violentos de Guilherme. Com o passar do tempo, Frederico acabou mostrando uma enorme disposição para o aprendizado dos livros da Tradição.  Quando já tinha feito o seu décimo verão, o velho Seth fora encontrado morto, deixando a educação do jovem Frederico, sobre a total responsabilidade de Tracius, agora investido Mestre na Tradição do Reino do Reis sobre a Colina dos Bruxos.
É dito que a velhice reclusa do rei Guilherme fora passada, em grande parte, na Torre dos Cronistas do Reino. Lá, Guilherme aperfeiçoava seus conhecimentos, alimentava e analisava o desenvolvimento da criatura hedionda que ele havia criado no dia do nascimento do seu único filho. A criatura era chamada de Quimera pelo rei. Crescera em força e em astúcia, e com o tempo, passara a almejar uma fuga das catacumbas secretas onde era mantida pelo Rei dos Bruxos. Nessa mesma catacumba, em gaiolas e selas fedorentas, uma série de outras criaturas pavorosas era aprisionada. Todas essas aberrações, provenientes das experiências de Guilherme. Os servos do castelo ouviam barulhos emitidos pelos seres sobrenaturais, oriundos do setor em que as selas ocultas ficavam, mas como todos tinham um medo enorme de ser punido, nada mais se fazia para se investigar as causas.
A história também relata como Guilherme se tornara um poderoso bruxo, chegando a ressuscitar seu mítico cavalo Spartacus, morto pela velhice. Quando suas forças ocultas haviam alcançado um patamar elevado, ele finalmente resolveu assumir o trono do Reis sobre a Colina. Seu semblante era de um sábio. Cultivava uma longa barba branca. Seu olhar sisudo, direcionava-se agora para os nobres que haviam rompido o pacto de suserania e vassalagem com ele. Seu ódio, seus planos arquitetados minuciosamente, agora estavam prontos para serem revelados. Então, lembrou do filho Frederico. Tendo vivenciado os seus verões de solidão e estudo, o garoto taciturno pôde ter, finalmente, a atenção do pai. Mas Guilherme não se alegrou com os rumos que seu herdeiro havia tomado. Achava-o fraco e misericordioso, defeitos para alguém que desejasse ser um monarca glorioso. A maldade do Rei Negro não podia conceber a educação virtuosa do filho. Então, Guilherme queixou-se da inabilidade do herdeiro com as artes de guerra. Achava-o inepto ao trono. Era um filho fraco e melindroso, e inepto para os seus planos de poder. Então, vendo em Tracius o motivo de toda aquela educação sentimental, expulsou-o do reino. Guilherme, trouxe assim, o filho para os seus aposentos secretos, pois queria transformá-lo no seu aprendiz. Ainda sob os protestos e lamentos de Annabel de Liz, o garoto foi levado até as catacumbas do rei. Precisava aprender a dominar as artes ocultas.

Lacrimosa


Aconteceu que a Quimera se libertou das catacumbas onde estava aprisionada. Fugira numa noite chuvosa e ruidosa, quando os trovões amedrontavam os servos do castelo. Por onde passava, deixava o seu rastro de sangue. Trucidou doze guardas do rei, assim como assassinara a rainha. Este foi sem titubear, o mais duro golpe ao rei, pois a traição da criatura fora acompanhada da morte de sua esposa Annabel de Liz. Caio Marco, como era o responsável pela guarda e ordem no reino, foi severamente punido pela negligencia na montagem da guarda interna do castelo. Guilherme, então, ordenou o enforcamento do Marechal em praça pública. Frederico, que naquela época já estava pesquisando manuscritos no mosteiro de Cluny, apenas recebeu uma carta pesarosa redigida por Cipião de Valais, relatando a tragédia ocorrida com sua mãe. Um clima mórbido e de assombração se apossou no Castelo sobre a Colina dos Bruxos. De todos os ataques da besta, suas vitimas ficavam desfiguradas, portanto, o enterro da rainha foi feito com um véu sobre o ataúde. Guilherme jurou caçar e matar sua criação. Então, cheio de trevas e ódio no coração, começou a treinar rigorosamente suas outras criaturas nefastas, ocultas nas catacumbas pútridas.

Miguel Terra, o Monge da Espada Virtuosa, resolveu romper o silêncio e a duradoura trégua entre a liga e as hostes depravadas do Rei dos Bruxos. Todos os reinos com suas aldeias e senhorios, ficaram sabendo da fuga da Quimera. Mas a força do boato, em grande parte, foi catalisada e espalhada pelos subseqüentes ataques da Quimera, pois, aonde ela passava uma catástrofe anunciada amaldiçoava o lugar. 


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