Escritos sobre Direito Canônico.




O Direito Canônico pode-se, pois, dizer, como grande parte dos elementos do medievo, era uma amálgama dos princípios e costumes do Direito Romano ensinado nas universidades medievais – especialmente a universidade de Bolonha – com o Ius divinum, isto é, regras oriundas da Sagrada Escritura, além dos textos dos doutores da Igreja. Etimologicamente, o termo Direito Canônico é proveniente do vocábulo grego “cânon”, cujo significado é regra. Portanto, pode-se inferir nesse primeiro momento um traço essencial dessa vertente do Direito, ou seja, o caráter de regra unitário de origem religiosa ou, melhor dito, manifestação jurídica da Igreja Católica, a maior instituição no período histórico em questão.
Todavia, para que se compreenda o que foi o Direito Canônico, há que se descrever os elementos antecedentes dessa amálgama, por isso, é salutar uma análise dos antecedentes históricos dessa vertente do Direito.
Há que se ressaltar, que a sociedade medieval começou a ser formada após a queda do Império Romano do Ocidente, durante o séc. V. d.C., conforme anota a historiadora Flávia L. de Castro (2014, p.119). Tal período pós-queda de Roma foi fomentado por uma série de crises internas e externas. No que tange às crises externas, nota-se a constante invasão das fronteiras pelos povos germânicos – um conceito que abrange uma série de povos tribais não só de origem germânica, mas também francos, visigodos etc. Tais invasões acarretaram no declínio do Império Romano do Ocidente enquanto instituição política e jurídica, havendo, portanto, uma fragmentação de grande parte dos territórios do extinto império entre os inúmeros povos germânicos invasores. Tal esfacelamento do Império conferiu um importante traço do período histórico subsequente, isto é, a fragmentação do poder durante a Idade Média. Assim como o poder tornou-se descentralizado, o Direito também seguiu esse mesmo fenômeno, visto que cada tribo germânica possuía suas próprias leis orais – um direito costumeiro e não escrito.
No entanto, mesmo sendo o direito germânico de natureza marcadamente consuetudinária e variando de monarquia para monarquia, há que se enfatizar que as leis do extinto Império Romano não foram esquecidas pelos monarcas, pois estas leis eram recepcionadas pelos ordenamentos desses povos através de compêndios legislativos que refletiam traços híbridos entre valores germânicos e romanos. Porém, ainda permanecia uma descentralização no Direito em toda a Europa medieval. Coube ao Direito Canônico o papel de centralizar o saber jurídico, resgatando elementos do Ius Romano.
Sendo uma emanação da Igreja Católica, o Direito Canônico gozou de um importante privilégio que somente tal instituição possuía durante tal período, isto é, o caráter de ser um saber oriundo de uma instituição hegemônica e, portanto, de domínio universal em grande parte da Europa Ocidental; tal aspecto foi um diferencial entre os inúmeros (fragmentados) direitos costumeiros dos demais povos germânicos, uma vez que o Ius Canônico era unitário e escrito – sendo, destarte, estudado e comentado pelos clérigos letrados, o que possibilitou este ser um objeto de trabalhos doutrinais.
Tendo discorrido sobre a formação do Direito Canônico com base nos seus antecedentes históricos, é salutar descrever a sua finalidade, ou seja, sua função enquanto saber aplicado na práxis medieval.
Por ser um conhecimento escrito e unificado pela Igreja Católica, o Direito Canônico seguiu a ascensão da Igreja durante o período medieval. Segundo Flávia L. Castro, “conforme o poder laico enfraquecia pelo declínio do poder real por causa do feudalismo, a jurisdição eclesiástica aumentava seu poder jurisdicional, mesmo relativamente a leigos” (2014, p.133). Nesse trecho, nota-se que a função inicial do Ius Canônico de dirimir conflitos apenas de natureza espiritual, com o passar do tempo, foi abrangendo aspectos de ordem civil, pois, sendo esse Ius de caráter essencialmente religioso e laico, imperadores e reis passaram a transferir aos bispos a competência jurisdicional de dirimir os conflitos de ordem matrimonial, divórcios, nulidades de casamentos etc.
Sendo o órgão jurisdicional do Direito Canônico, os Tribunais eclesiásticos tinha a função de julgar infrações contra a religião (heresias, simoniais, feitiçarias etc.), para que a hegemonia da Igreja fosse conservada, assim como manter a coesão na esfera mundana. O processo do Direito Canônico possuía um diferencial do processo laico, pois seus autos eram escritos. Todavia, tal processo era marcado pela queixa e pela acusação, instaurando o processo inquisitorial no qual o réu ficava à mercê do inquisidor. De modo bem peculiar, se comparado com os procedimentos do processo moderno, o processo medieval comportava a inserção nos seus autos das chamadas “provas irracionais” que, segundo Flávia L. Castro, eram provas reveladas por divindades para solucionar conflitos que não podiam ser respondidos racionalmente – os chamados ordálios, que poderiam ser unilaterais ou bilaterais. Tais procedimentos de obtenção de provas eram cruéis e truculentos, como se pode notar no trecho: “utilizavam-se as provas de ferro em brasa ou de água fervente” (CASTRO, 2014, p. 134).
Em suma, o Direito Canônico foi uma importante manifestação do ordenamento jurídico medieval, pois, ao ser o direito unitário, isto é, dentro de um determinado território, de uma determinada esfera de poder (da Igreja), tal vertente do Direito legou a posteridade um saber mais sistematizado (doutrinal), assim como contribuiu para questões de Direito Civil utilizadas até os dias recorrentes (questões matrimoniais, legitimidade dos filhos etc.).




REFERÊNCIA PARA  UM APROFUNDAMENTO NO TEMA:
CASTRO, de Lages Flávia. História do Direito: geral e do Brasil. 10 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2014.






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