Dostoiévski e o "ser original".


“A falta de originalidade existe em toda parte, em todo o mundo, desde que o mundo é mundo sempre foi considerada a primeira qualidade e a melhor recomendação do homem de ação, de ação e prático, e pelo menos noventa e nove de cada cem pessoas (ao menos mesmo) sempre sustentavam essas ideias e só uma em cada cem via sempre e continua a ver a coisa de modo diferente.
Os inventores e os gênios, no início da sua trajetória (e muito amiúde também no final), não eram vistos quase sempre pela sociedade senão como imbecis.” Fiódor Dostoiévski, O Idiota.





“De fato, não existe nada mais deplorável do que, por exemplo, se rico, de boa família, de boa aparência, de instrução regular, não tolo, até bom, e ao mesmo tempo não ter nenhum talento, nenhuma peculiaridade, inclusive nenhuma esquisitice, nenhuma ideia própria, ser terminantemente ‘como todo mundo’ (...) No mundo existe uma infinidade extraordinária de pessoas assim e até bem mais do que parece; como todas as pessoas, elas se dividem em duas categorias principais: umas limitadas, outras ‘bem mais inteligentes!’ As primeiras são mais felizes. Para um homem ‘comum’ limitado, por exemplo, não há nada mais fácil do que se imaginar um homem incomum e original e deliciar-se com isso sem quaisquer vacilações.” Fiódor Dostoiévski, O Idiota.





“Uma personagem da nossa história, Gavrila Ardaliónovitch Ívolguin, pertencia a outra categoria; pertencia a categoria de pessoas ‘bem mais inteligentes’, embora estivesse todo contagiado, da cabeça aos pés, pelo desejo de originalidade. Mas essa categoria, como já observamos, é bem mais infeliz do que a primeira. O problema é que o homem ‘comum’ inteligente, ainda que de passagem (e talvez até durante toda a sua vida) tenha se imaginado um homem genial e originalíssimo, mesmo assim conserva em seu coração o vermezinho da dúvida, que chega a tal ponto que o homem inteligente às vezes termina em absoluto desespero; se fica resignado, já o faz totalmente envenenado pela vaidade interiorizada. Pensando bem, quando mais não seja tomamos um extremo: na imensa maioria dessa categoria inteligente de pessoas, a coisa não se dá de maneira tão trágica; ao término dos anos estraga-se mais ou menos o fígado, e é só. Mas, não obstante, antes de aplacar-se e resignar-se, essas pessoas às vezes levam tempo demais fazendo das suas começando pela mocidade e indo até a idade da resignação, e tudo pelo desejo de originalidade. Verificam-se inclusive casos estranhos: devido ao desejo de originalidade, um homem honesto se dispõe até a cometer um ato vil; acontece até que um desses infelizes, não só honestos mas até os bons, providência de sua família, sustenta e alimenta com seus trabalho não só seus familiares mas até estranhos, e o que acontece? Passa a vida sem encontrar a paz! Para ele não é nem um pouco tranqüilizadora nem consoladora a ideia de que ele cumpriu tão bem com suas obrigações humanas; ocorre inclusive o contrário, ele até o irrita: ‘Eis, dir-se-ia, por que eu desperdicei toda a minha vida, eis o que me atou de pés e mãos, eis o que me impediu descobrir a pólvora! Não fosse isso, é possível que eu tivesse forçosamente descoberto ou a pólvora, ou a América – ainda não sei com certeza o quê, só sei que forçosamente teria descoberto! ’. O mais sintomático nesses senhores é que, ao longo de toda a vida, de maneira nenhuma eles efetivamente conseguem saber ao certo o que exatamente passam a vida inteira já prontos para descobrir: a pólvora ou a América? Mas os sofrimentos, as nostalgias do objeto do descobrimento, palavra, estariam à altura de um Colombo ou Galileu.” Fiódor Dostoiévski, O Idiota.







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