A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte XVI - Fim


 Factum abiit, monumenta manent ( O fato feito passa, os monumentos permanecem)


Quando Amadeu, o bobo da corte do Reino de Árvore e Folha terminou de contar a narrativa fantástica de Guilherme, o Príncipe Negro, o jovem e inquieto Miguel II, foi logo indagando-o:
- Mas o que aconteceu com Frederico? Ele não tinha herdado os saberes mágicos do pai? Como pode um rei tão poderoso, como foi Guilherme, ter perdido essa batalha?
- Ha! Meu nobre senhor, isso é algo que eu ainda gostaria de lhe contar, com todo o prazer. O fato é que o Príncipe Negro não morreu naquela batalha no Vale dos Espinhos. Não como nós estamos fartos de saber que os comuns tombam em combate... O seu corpo virou uma fogueira viva ao ser trespassado pela lâmina do Conde Gusmão. Diz o relato dos combatentes que estavam na hora da morte do Soberano dos Bruxos, que ao tombar em luta, seu corpo foi consumido em chamas mágicas, e depois virou um negro pó, portanto, ele nunca foi derrotado, apenas abandonou sua existência corporéa. Mas isso tudo passou despercebido pelos marechais da Liga. Miguel Terra e seus irmãos de armas, apenas se concentraram em aniquilar qualquer resquício deixado pelo rei Guilherme em seu castelo. Queimou os livros de magia, matou as criaturas horrendas e condenou à morte, todos os serviçais do Rei Negro, inclusive o Príncipe dos Bruxos, caçado e morto pela espada do Monge Guerreiro, Miguel, após ter sido encontrado no longínquo exílio dos povos do Oeste. 
- Já que o rei Guilherme nunca morreu de fato, ele pode algum dia voltara assumir sua forma plena? – questionou Miguel II.
- Bobagem, tolices! Meu senhor – disse rispidamente o pajem do rei. – Esse louco deve ter criado toda essa história mirabolante de sua cabeça desvairada. - Vossa Majestade não deveria ouvir esses devaneios.
- Talvez ele tenha razão – respondeu Amadeu, deixando de lado o seu característico humor debochado. – Essas histórias possuem pouca função nos dias de hoje. Todos querem saber de fatos concretos, querem saber um modo de ganhar poder por meio de métodos e histórias eficazes. Essa porção de conto de fadas é mesmo uma perda de tempo, não é? – Agora, seu semblante era enigmático, mesclando tristeza com alegria.
- Guilherme foi um nobre cuja vida teve um desfecho tão triste e desolador. – Analisou o jovem Miguel II. – Não é uma história tão animadora no fim, mas é creio que há algo mais nesses feitos do Príncipe Negro. Essa saudade permeando a sua estirpe... Isso me parece de uma justeza poética. Isso é bom, diria que é louvável.
- Sim, sim. Como havia dito, Guilherme, o rei dos bruxos nunca morreu. Seu corpo foi levado até a Linha no Fim do Universo. Lá, ele aguarda silenciosamente o fim dos tempos. O desfecho da história, quando a espada de rubi voltará a ser brandida e ele selará montaria no cavalo Spartacus; será o marco do julgamento final, do fim das quatro estações, quando Gaia Domus murchar... – Disse com seriedade, o bobo da corte.
- Você tocou num ponto importante, como Gaia Domus, hoje, principal símbolo do Reino de Árvore e Folha, e antes, árvore guardiã do castelo de Guilherme, conseguiu sobreviver até os dias recorrentes?
- Meu nobre senhor, suas perguntas são previsíveis, porém, os desígnios desse universo são desconhecidos... Quem me dera, poder descobrir uma lei que regesse a ordem desse mundo tão imprevisível... Poderia entender o universo em sua plenitude! Deixar as angústias de lado e descansar minha mente triste e cansada.
Assim, o bobo Amadeu conseguiu um título nobiliárquico das mãos do jovem Miguel II, mas nunca usufrui do prêmio. Recebeu um tesouro e partiu da corte do Reino de Árvore e Folha, onde nunca mais retornou. Tão inesperadamente surgiu no salão do rei, tão inesperadamente desapareceu dos reinos do mundo afora. Em algum lugar, um andarilho vai trilhando as veredas cósmicas do universo. Sempre pronto a contar histórias. 


“– É sempre assim com as coisas que os homens começam; há uma geada na primavera, ou uma praga no verão,e suas promessas fracassam. (Gimli)

– Mas raramente fracassa sua semente – disse Legolas. – Esta fica na poeira e na ruína, para germinar de novo em tempos e lugares inesperados. Os feitos dos homens sobreviverão a nós, Gimli.” O Retorno do Rei, O último debate.



                                   Finis




Essa história foi dedicada ao meu fiel amigo, Spike Cruz.
Ps: Obrigado, Marília, por suas leituras e comentários entusiasmados ( finalmente terminei uma história).


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A abolição do Homem. C.S. Lewis. - Aforismos extraídos do livro.

Dostoiévski e o "ser original".

Escritos sobre Direito Canônico.