A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte XIV
Gaia
Domus
Conta-se que o rei Guilherme, o
Rei dos Bruxos nunca mais tinha se aconselhado com a árvore guardiã de sua
Casa. Os anos de estudo e reclusão, fomentaram sua prepotência, tornando-o
incapaz de ver na árvore uma importância real para suas angústias. Quando ele
resolveu retornar ao trono, olhou com desdém a majestosa árvore, pois, nela
havia algo que o intimidava enquanto ele sentava no trono, firmado embaixo dos
galhos da árvore. Seus galhos longos e vigorosos, seu tronco áspero e forte,
lembravam sempre o rei da sua insignificância quanto às forças impetuosas da
natureza. E nisso tudo, Guilherme odiava com uma raiva surda, apenas contida
pela atenção desviada aos seus planos de vingança contra a liga de Miguel
Terra, o Monge Guerreiro. Após a morte de sua amada rainha Annabel, Guilherme desvencilhara-se
ainda mais das pessoas ao seu redor. Sua perversidade deformava tudo o que ele
via a sua frente, sempre temendo conspirações e outros ardis dos seus
serviçais. Comandava seus súditos com punhos de ferro, e visando sufocar
revoltas camponesas, designara uma tropa especial de infantes leais a Coroa. Quanto
aos nobres vassalos, àqueles que desejassem contestar suas medidas de
austeridade, ele mandava seus carrascos enfocarem-nos, ou então, jogava-os nas lúgubres
masmorras do Castelo sobre a Colina.
Certo dia, travando uma
conversação com o seu filho Frederico, o Príncipe dos Bruxos, disse o rei:
- Teus saberes ainda são muito
escassos. Tu tens hesitado em aceitar de bom grado os meus ensinamentos. Como poderei
lhe ensinar o domínio das artes ocultas, sendo que tu és um filho tão rebelde? Não
vês que os meus inimigos brotam como ervas daninha por todos os lados? Minha fama
é macabra, meus desígnios são ímpios, mas o meu ser é puro e destruidor como o
fogo. Consumo tudo que me cerca, sou implacável com os fracos e, nisso tudo, tu
deves tomar um exemplo.
- Meu pai, és um homem tenaz. Lembro-me
dos anos de inocência, quando eu andava pelos corredores do castelo. Lembro-me
da atenção que tu não foste capaz de me dar. A rainha, sensata e
misericordiosa, sempre me falava que tu eras um homem de hábitos desconhecidos
até para ela. Por isso, contentei-me com as migalhas de afeto que eram jogadas
para mim. Aprendi a ser um monarca através dos ensinamentos do mestre nas
tradição Tracius, e essa impressão nunca poderá ser extirpada da minha consciência...
- Meu herdeiro, tu és. Não devia
me afrontar com tanta ingratidão, pois eu sempre lhe dei a proteção da minha
espada e do meu escudo. Agora, penas lhe peço que se ajoelhe ante a minha
autoridade paterna. Sou teu patrono, e o teu suserano. Aqui nesse salão imenso
e silencioso, quero ungir tua espada sobre um altar que eu erigi com os meus
saberes ocultos. Tu serás o primeiro cavaleiro do Rei dos Bruxos. Seja tenaz
como o ferro, mas não me obrigue a ter que moldá-lo através das minhas forças
sobrenaturais; pois até o rígido ferro, pode ser moldado pelo fogo...
Depois dessa conversação,
Frederico passou uma noite de oração no salão do rei. Proferiu cânticos de
magia arcana, teve sua testa ungida pelo rei Guilherme, e após uma bofetada na
face esquerda, foi investido cavaleiro juramentado ao Rei dos Bruxos. Herdou a
espada de rubi do seu progenitor, e recebeu uma luneta de cobre e um astrolábio
proveniente dos povos mercadores dos Reinos do Oeste. Seria agora, o principal
baluarte do rei. Herdara uma porção de terras nas terras fronteiriças do Leste.
Lá, construíra um castelo e aglutinara nobres vassalos sob o seu julgo. E nisso
tudo, seu patrono Guilherme se alegrou, pois teria mais tempo apara arquitetar
seus planos.
Agora é dito que Miguel Terra
ficou sabendo, por meio de espiões, como as forças do rei Guilherme estavam se
organizando rapidamente. Ficou sabendo das forjas trabalhando a pleno vapor na
construção de armas, e temeu pela paz no mundo conhecido. Então, organizou um
destacamento de batedores para catalogar as imediações do reino de Guilherme. Além
dessas preocupações, os aliados da liga, os principados de Valais haviam se
queixado dos inúmeros ataques da besta criada pelo Rei dos Bruxos. Quimera, a
fera nascida através da meticulosa leitura dos pergaminhos corroídos,
permanecia trucidando a vida de camponeses e qualquer outra forma de vida que
cruzasse o seu caminho. Nos relatos, quimera era descrita como uma criatura que
muito se assemelhava a um cão, quando vista de longe, mas que possuía uma cauda
com um ferrão venenoso na ponta. Disse um ferreiro do senhorio dos Krus, na
região próxima ao Solar dos Leones de Castela:
- Esse demônio que vem ceifando
a vida da nossa pobre gente... – Deu uma olhadela nos quatro cantos da taverna
e continuou. – Tudo fruto daquele bruxo sobre a colina, um rei depravado que,
como dizem as histórias, fez aquilo por meio dos seus artífices hediondos.
- Esse maldito, foi até
excomungado pelo papa. – Disse o taverneiro, um homem de expressão rude e
ociosa. – Dizem que um exercito está sendo formado para destruir o reduto de
maldade desse depravado... Ontem mesmo, um mercador vindo das terras do Castelo
sobre a Colina, disse que o rei dá festas com orgia e tantos outros atos
libertinos.
Ao falar isso. Os outros
ocupantes nas mesas próximas ao balcão, deram olhares indiferentes aos dois
homens. Falou o ferreiro:
- Temo que a desgraça caia em
nossas terras...
Ia prosseguindo no lamento,
quando um taciturno andarilho, recém chegado por aquelas terras, disse:
- Seja mais contido no que diz,
pobre ferreiro. As palavras tem poder, especialmente quando estamos falando de
magia. Uma simples concentração de palavras remetendo à existência da besta e,
ela pode vir até nós! – Todos os olhares assustados repousaram sobre o
andarilho. Ninguém sabia que ele era o expurgado Mestre na Tradição Tracius. Então,
tentando manter a discrição desde que fora expulso pelo rei Guilherme até ali,
Tracius puxou sua capa sobre a cabeça, ocultando novamente a sua identidade. Pagou
o taverneiro e foi embora do lugar. Ao cruzar a porta, uma prostituta de riso
fácil, lhe propôs afagos e prazeres libidinosos, sendo ignorada pelo andarilho.
Quimera
Faz
o teu dever! ante as lanças, ante as tochas dos teus perseguidores,
Nunca deves ceder.
Nunca deves ceder.
Tuas
mandíbulas devem cortar a carne dos vis mortais,
Tuas
garras cortam a garganta dos impuros,
Oferecemos
esse cordeiro, toma esse sacrifício, fera do fim dos tempos!
O
Rei Negro, tu traíste.
Teu
ardil, tua natureza vil,
Ouça
o que eu tenho a dizer!
Pelas
trevas tu deves sempre trilhar!
Por
trás, pelas costas, teus golpes devem os mortais ceifar!
És
o perigo à espreita, aguardando o fim dos tempos,
Quando
a história terá seu fim.
Esse era o cântico de invocação
da quimera, proferido pelos servos incautos que procuravam trazer a desgraça e
perdição para as suas moradas. Essa história também conta como o rei Guilherme e,
suas artes negras, acabaram atraindo inúmeros serviçais por todos os confins do
mundo. Os deuses ancestrais começaram a ser, silenciosamente, invocados. Súditos
clamavam por sangue, ódio e o fim dos tempos.
Comentários
Postar um comentário