A abolição do Homem (ou, Humano, demasiado humano)
“O indivíduo é a única realidade. Quanto mais nos afastamos dele para nos aproximarmos de ideias abstratas sobre o homo sapiens, mais probabilidades temos de erro.” Carl Gustav Jung, O homem e seus símbolos.
“179. Pensamentos –
Pensamentos são as sombras dos nossos sentimentos – sempre mais obscuros, mais
vazios, mais simples do que estes.” Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência.
“Toda ciência, tomada
isoladamente, não significa senão um fragmento do universal movimento rumo ao
conhecimento.” Marc Bloch, Apologia
da História.
“Porque nós usamos tantos
números para tudo, temos a tendência de pensar todos os processos como se
fossem necessariamente como a série numérica, em que cada passo, por toda a
eternidade, é do mesmo tipo que o passo anterior.” C.S. Lewis, A Abolição do homem.
Nossos pensamentos irradiam um
brilho cósmico. São como estrelas, corpos celestes, há muito tempo
inexistentes, e o que pensamos ver como sendo uma estrela brilhando em sua
plenitude no espaço sideral, é na realidade, o vestígio de uma longínqua explosão
de um corpo celeste extinto – e nisso, um astrofísico sabe bem mais do que eu. Vemos
sua luz à irradiar, mas a essência dessa estrela está extraviada pelo universo.
Do mesmo modo é a nossa consciência, a mesma lógica se aplica aos pensamentos. O
que é o pensamento senão uma ínfima parte, uma explosão irradiada, de algo
distante e oculto em sua plenitude, de nós?
O homem moderno é marcado pela
sua racionalidade. Ele pensa ter superado a superstição dos povos antigos,
pensa ter tirado conceitos abstratos como a “alma” da sua vida. Tudo é
racionalizado, e o culto ao ego-dedutivo-racional tornou-se o déspota da
espontaneidade. O culto da matéria – figurada nos átomos, e tantas
outras nuances das ciências naturais – em detrimento da espiritualidade tem
tornado o homem isento de valores morais, como se suas existência fossem
apática e sem sentido. Entretanto, crer que a razão extinguiu os pensamentos
primitivos do homem, que ela o libertou das mentiras dos deuses, que ela
ofuscou a espiritualidade através de “crepúsculo dos deuses”, isso não passa de
uma das muitas falácias da modernidade.
Ainda existe uma nostalgia
incrustada nos recônditos do homem moderno quanto aos valores cultuados pelos
antigos. A consciência pensante, essa capaz de conceber racionalmente cálculos,
de impulsionar o homem até as medidas pragmáticas, e transformar a natureza
física, é incapaz de dominar o inconsciente. Porém, o que é o inconsciente
senão um universo em plena expansão rumo ao infinito? Os antigos afirmavam que
nós somos os mais distantes de nós mesmos. Entre outras significações,
entende-se que além do que nós pensamos conscientemente, existe uma miríade de
camadas implícitas no nosso intelecto. Carl G. Jung, defendia a tese de que o
homem moderno ainda conserva muitos traços dos seus ancestrais de tempos
imemoráveis e, que esses vestígios, essas permanências, podem ser expressas
através dos nossos sonhos, – projeções caóticas do inconsciente – e dos seus subseqüentes
simbolismos. Sua abordagem psicológica partiu de um aperfeiçoamento de uma tese
freudiana demominada “resíduos arcaicos”, mas que Jung foi muito além,
trabalhando sobre o clássico conceito de “arquétipo”. Ou seja, muito além da psique, o homem ainda carrega junto a
si, vestígios dos ancestrais primitivos, estes que viviam num meio mais
espiritual, povoado por fantasmas, “espíritos do mato” e tantas outras
manifestações sobrenaturais. Daí,
pode-se inferir como o homem moderno possui uma existência conflitante entre
valores céticos-racionais e valores que sua mentalidade taxa como “irracionais”,
provenientes da indução.
Na nossa sociedade contemporânea,
podemos notar como a ausência do simbolismo tornou o homem mais pobre quanto as suas
capacidades de interpretação. Hoje, o indivíduo é incapaz de ouvir os célebres “contos
de fadas” – muitas vezes nem contando-os para seus filhos – , pois acha que
eles são devaneios, e narrativas tolas sem nenhum fim educacional. Perdeu-se a
capacidade de contar histórias com fins pedagógicos. Isso revela como a capacidade
de interpretar os símbolos tem sido esquecida pelo homem moderno – e aqui,
deve-se externar que símbolo é diferente de sinal . Há um bom tempo, pensadores
como Soren Kierkegaard e Friedrich Nietzsche tem sido como profetas no deserto,
exortando os homens quanto a perfídia do despotismo da razão, esses pensadores puderam
ver com clarividência de livres-espíritos, como o indivíduo era negligenciado por
inúmeros sistemas filosóficos e sistemas educacionais. Quando Nietzsche, no livro A Gaia Ciência, descreve um personagem,
aparentemente louco, que grita: Deus está morto! Em verdade, ele quer figurar
os resultados do projeto engendrado pela modernidade. Ele quer figurar como a
técnica sobrepujou as sensibilidades, algo que mais tarde Franz Kafka
ilustraria na aterrorizadora novela A metamorfose, onde o escritor tcheco
retrata um homem apático e com uma existência incolor. Nietzsche revela que nós
fomos os algozes de Deus. Não há inocentes.
Ao leitor, quero deixar bem
claro que essas linhas que eu escrevo com tanto fervor, na realidade, não é um
panfleto contra a ciência da natureza e suas conquistas. Eu não seria tão retrógado
ao atacar essa importante vertente do conhecimento humano, apenas defendo uma
tese capaz de resgatar as sensibilidades do indivíduo inserido no século XXI, “jamais à
redução da consciência a categoria total de instinto” (C.S. Lewis). Notemos o caso de Albert
Einstein, ele foi um homem das ciências da natureza (Naturwissenschaften), mas que teve suas mais brilhantes ideias
oriundas dos processos criativos, isto é, ele muniu-se da indução, para depois
trabalhar nos seus insights,
aperfeiçoando-os até torná-los em teorias plausíveis. Meu apelo, é quanto esse
pensamento torpe – nunca dito abertamente, mas implícito – de que, um homem
deve conduzir com retidão sua vida, apenas se ele privilegiar sua razão,
deixando de lado sua espiritualidade, sua herança artística na capacidade de
criar (esqueçamos os proselitismos religiosos). Talvez essa tentativa de
abortar o que há de primitivo e original em nós, seja a causa de nossas
angústias e das nossas tristezas. Parafraseando Nietzsche: onde houver a
espontaneidade e a originalidade, prevalecerá o humano, o demasiado humano. Deixemos
esse medo do ser humano, em todas as suas manifestações, de lado, e sejamos
aquilo que somos: seres humanos.
Filósofo com livro aberto - Rembrandt. |
“Não há menos beleza numa
equação exata do que numa frase correta.” Marc Bloch, Apologia da História.
“O grande esforço da bruxaria e
o grande esforço cientifico são irmãos
gêmeos: um deles era doente e morreu, o outro forte e sobreviveu. Mas eram
gêmeos. Nasceram do mesmo impulso. Reconheço que alguns (certamente não todos)
dos primeiros cientistas eram movidos
por um genuíno amor pelo conhecimento.” C. S. Lewis, A abolição do Homem.
“Não há duvida de que aqueles
que verdadeiramente fundaram a ciência moderna eram homens em quem comumente o
amor pela verdade suplantava o amor pelo poder.” C.S. Lewis, A abolição do Homem.
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