A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte X

Tenebrae


Agora é dito que, Guilherme acompanhou o cavaleiro espectro por entre os caminhos pútridos do terreno pantanoso da Floresta dos Trolls. Viu criaturas mal encaradas e de olhar odioso, fitarem-no. Pôde ver duendes asquerosos, druidas de má fama no seu manuseio das artes ocultas, todos eles, serviçais da feiticeira, criaturas de existência maliciosa. O odor nauseante do gás metano exalando das águas verdes e borbulhantes do pântano, tornava a atmosfera da floresta ainda mais macabra e opressora. A vegetação era retorcida e cheia de uma névoa sobrenatural, emanando dos líquens e lodo. Corvos levantavam voou enquanto emitiam sons pavorosos, sempre anunciando os passos dos visitantes indesejados, como espiões da feiticeira.
Ao chegar diante da casa lúgubre da feiticeira, Guilherme foi intimado a descer do seu cavalo Spartacus, o cadáver do rei Hesdra disse:
- Contemple o coração das trevas! E tudo de odioso que dele emana! – logo após essa sentença, gritos de lamento, risadas histéricas ecoaram da casa de madeira apodrecida da feiticeira. Então, a feiticeira apareceu, suas vestes eram arroxeadas, sua feição era bela e harmoniosa, como as curvas do seu corpo esguio. Tinha a mesma aparência de quando fizera o pacto com o então, mortal e honrado, rei Hesdra, o Urso cinzento. Devido as suas artes naturais, nunca envelhecia. De modo que, contemplava o passar das eras, vendo tudo perecer e definhar ao seu redor, enquanto absorvia a vida do universo, através de sua magia desvirtuada  pela cobiça e propensão ao diabólico. Disse a feiticeira, e sua voz era de um timbre tenebroso:
- Vejo agora o Rei Negro. Já faz um bom tempo que venho arquitetando esse encontro tão importante para nós dois. Vejo como você se tornou um guerreiro de fama incontestável, cheio de virtude e conhecimento. Porém, não vá se esquecer: tudo que existe merece desaparecer. E isso está implícito na ordem deste vil universo. Você pode ter a tendência de me achar uma mulher crapulosa e, nisso tudo eu não posso repreendê-lo, pois tenho os meus meios de alcançar aquilo que quero. Minha vontade é carregada de um poder. Assim quero, assim mando! – ao dizer isso, lançou um olhar perscrutador sobre Guilherme –, No entanto, me diga: o que te faz desafiar minhas reais forças, vindo até a minha casa? Será que você é tão imprudente, como o pai? – Então, ela proferiu um dizer antigo, com palavras de poder. Rapidamente, o chão, as árvores, tudo que estava ao redor de Guilherme foi metamorfoseado no interior da masmorra de um castelo. Através desse ardil, a feiticeira levou Guilherme até a presença de Annabel de Liz que, estava presa naquele ambiente lúgubre e pavoroso.
Annabel estava aprisionada a um enorme totem de madeira, adornado com representações entalhadas de rituais nefastos de magia oculta. Dois duendes, armados com cimitarras, montavam guarda ao redor do totem. Então, a feiticeira, ordenou que eles retirassem as amarraduras da rainha, e disse:
- Deixem-na livre. Hoje, algo deve ser ofertado para que ela ganhe sua liberdade...
Guilherme, impacientemente, gritou para o cavaleiro espectro que, assistia tudo aquilo de modo silencioso e submisso:
- Acorde, Rei Hesdra! Se ainda resta alguma vontade em ti, ajude-me a libertar essa alma do julgo dessa mulher inescrupulosa!
Após dizer isso, Guilherme brandiu sua espada de rubi, fazendo o característico brilho escarlate emanar por toda a masmorra. Mas isso não intimidou a feiticeira que, recitou uma canção de poder ainda mais forte que a anterior:

Malleus maleficarum,


Do amanhecer ao entardecer,
Toda a existência deve perecer,
A semente germina na terra, ao amanhecer.
Ao meio dia, é uma árvore majestosa e imponente,
Então, vem a chuva e seus ventos, fazendo-a curvar-se ante as intempéries!
Mas a semente é corajosa e obstinada, insistindo em vingar.
Ao anoitecer, seus galhos, suas folhas,
Caem ao chão de onde ela germinou,
Seu tronco começa a entortar-se, como um ancião decrépito!
E assim é o homem, nascido com o germe de sua ruína,
Ele sabe que irá perecer,
Mas insiste em vencer e resistir, sempre lutando pelas migalhas do tempo, esse algoz silencioso e inexorável!
As forças naturais, o tempo, tudo conspira contra os reles mortais!
Lembra-te de que vais morrer! Lembra-te das palavras proferidas!

Depois do seu cântico nefasto, a feiticeira desfaleceu. O cavaleiro espectro foi levantá-la, mas Guilherme que, havia ficado perturbado após o cântico, atacou impiedosamente o seu progenitor com uma ira cega. Deixou a lâmina dupla de sua espada cravada nas costas do espectro do rei Hesdra. Este, virou-se num átimo, no entanto, não reagiu ao golpe, apenas lançou um frio olhar sobre seu filho, como se tivesse resgatado sua consciência agrilhoada ao pacto de outrora e, disse: Não sucumba ao ardil dessa mulher. Então, seu corpo converteu-se num pó negro, restando apenas a sua armadura enegrecida. Annabel, ainda cansada, olhou a cena em que Guilherme golpeara impetuosamente o seu progenitor e, teve medo de Guilherme.
Mas a ira de Guilherme parecia ter se apoderado Rei Negro. Brandindo odiosamente sua espada, ele lançou-se sobre a feiticeira ainda fatigada, devido às canções de poder que havia invocado. Segurando-a, Guilherme enterrou a espada no ventre da mulher, fazendo o sangue brotar abundantemente de sua boca, enquanto, embevecido pela maldade revigorante, deleitava-se com a agonia da feiticeira.
- Um novo pacto foi firmado. Agora vejo minha existência evanescer por entre as brumas da história. O teu fardo foi extirpado, mas não posso prever a nova era de  caos e maldade que vem atrás de ti. E como eu me regozijo com a tua transformação... – Este foi o último suspiro da feiticeira que, logo após essa sentença, definhou. Um odor pestilento exalou do corpo dela, mas Guilherme, tomado de sua ira, não pôde ouvi-la. Havia levantado Annabel do chão.  Devia agora, buscar uma saída daquela masmorra. Então, subiu as escadas de pedra, atravessou corredores e mais corredores, arrombou portas e mais portas, até que encontrou a saída do castelo de ilusões da feiticeira. Após a morte dela, a magia que constituía o castelo, foi se dissipando, possibilitando assim, que Guilherme pudesse encontrar o rumo da saída daquele lugar agourento. Os seus serviçais, como que apavorados pela morte de sua Senhora, não ousaram enfrentar o Rei Negro durante sua fuga. Todos podiam sentir o mal, emanando de Guilherme, como uma maldição , lançando um negro véu sobre o monarca.
Ao encontrar o cavalo Spartacus, Guilherme pôs Annabel em sua garupa e galopou até sair das imediações da Floresta dos Trolls. Annabel, como que desfalecida, não pode ver a expressão de pavor e desconfiança que, Tito Lívio e Caio Marco lançaram ao olhar o retorno do Rei Guilherme. Havia algo de diferente sobre o rei, sua melancolia assumira uma natureza diferente, parecendo carregar alguma culpa assimilada. Durante a jornada de volta a Colina dos Bruxos, nada foi dito entre os três cavaleiros. Não até que eles chegassem ao segundo dia de viagem...



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A abolição do Homem. C.S. Lewis. - Aforismos extraídos do livro.

Dostoiévski e o "ser original".

Escritos sobre Direito Canônico.