A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte VIII
O cavaleiro espectro
A história conta que, quando o
casal já havia chegado ao reino de Guilherme, um batedor da Guarda do Castelo avisto-os na estrada rumo
ao Castelo dos Reis sobre Colina dos Bruxos. Então, o batedor relatou a volta
do rei Guilherme junto com uma donzela para o conselheiro Cipião de Valais. Cipião
designou um contingente de dez soldados da Guarda Real para receber o rei
andarilho com todas as reverências que, constavam no protocolo.
Cavaleiros trajando cotas de
malha por cima de casacões de um couro grosso, e empunhando estandartes com o
brasão do reinado, desenho de um castelo sobre a colina, saudaram solenemente a
chegada do rei Guilherme por meio do alarido de fanfarras. O cavalo Spartacus
parou de andar no ritmo lento de até então, e deixou o seu dono descer da
garupa com Annabel.
Respeitosamente, o chefe do
agrupamento de soldados falou:
- Salve pater patrae! Viemos
sob as ordens do Conselheiro Real para recebê-lo, vossa majestade.
Então, reverenciosamente os
outros guardas levantaram suas espadas, numa saudação honrosa ao rei que
retornava.
- Tito Lívio, não irei esquecer
dos teus serviços prestados, nesses tempos em que estive ausente do trono. – Disse Guilherme. – Mas agora estou
deveras fatigado por essa longa jornada que tive que passar. Duras provações eu
enfrentei nesse caminho tortuoso, entretanto, deixemos isso tudo para depois.
Leve-nos até o meu Castelo. – E segurou a mão de Annabel de Liz.
A comitiva da Guarda Real levou
o rei até o Salão. Lá, Cipião de Valais abraçou o seu suserano e, admirou
comedidamente a beleza da donzela. Depois do furor inicial, o conselheiro
relatou o balanço do tesouro do rei, assim como mostrou os inúmeros serviços
prestados ao rei Guilherme durante a sua ausência: expulsara hordas de tribos
de bárbaros. Todavia, o cauteloso Cipião deixou para o final a notícia dos
ataques recorrentes de um cavaleiro cadáver. Disse que as jovens camponesas
vinham sendo raptadas por uma criatura moribunda. Nesse ponto da história, o
semblante de Guilherme ficou sisudo. Laconicamente, ele disse: “devo me
aconselhar com o velho Seth”.
Na época do retorno do rei
Guilherme com Annabel, a árvore que, outrora fora uma muda arrancada das terras
abençoadas do Vale dos Reis, agora tinha se tornado uma majestosa árvore. Seus galhos
encurvados e retorcidos, exalavam um doce aroma de seiva no grande Salão do Rei.
Do alto da copa da árvore, pássaros faziam seus ninhos. E foi ali, sentado no
trono sob a guarda da árvore, que Guilherme conversou com o velho Seth, o mestre
na tradição.
- Agora que eu retornei para o
meu reino, devo escolher um nome para essa árvore guardiã, velho Seth. Mas de
onde irei tirar esse nome?
- Tenho acompanhado e analisado
as palavras ancestrais que são
provenientes do sussurro dessa árvore. Tu deves chamá-la de Gaia Domus, pois este é o nome dela. Há anos, ela vem crescendo em
tamanho e sabedoria, por isso, quando tu estiveres aflito e preocupado,
aconselho-te que fales com ela.
- Como posso tornar
inteligível o farfalhar de folhas?
- Há muitos sinais que a
maioria dos homens deixam passar despercebidos. A magia é sutil, meu senhor. Ela
consiste em forças invisíveis capazes de moldar o mundo das forças visíveis. Por
isso, temos a tendência de confundir as transformações naturais como
resultantes das forças físicas.
Depois dessa conversa,
Guilherme decidiu que a sua cerimônia de casamento seria realizada sob a
presença de Gaia Domus. O bispo da
Abadia de Módovar, ungiu os conjugues no Salão Real. Danças e canções foram
entoadas pelos trovadores dos reinos vizinhos que, vieram especialmente para a
festa. Muitos foram os nobres vassalos do rei Guilherme, que vieram prestar
reverência e fidelidade ao Rei sobre a Colina dos Bruxos. Foi na noite de
núpcias, quando o casal havia acabado de se recolher nos aposentos reais, que
dos corredores rochosos do castelo começou a surgir ecos cada vez mais próximos
de cascos de cavalo. Numa questão de segundos, a porta de mogno do quarto foi
derrubada por um cavaleiro de cheiro pútrido, trajando uma armadura enferrujada.
O seu cavalo era negro, dos seus cascos, faíscas saíam. Os olhos do animal, resfolegante, eram avermelhados e cruéis. O espectro parou por um momento, abriu
o elmo, e da sua face pútrida e maliciosa, um cheiro pestilento pairou na atmosfera do
quarto. Então, Guilherme, procurou sua espada ao lado do criado mudo, mas
percebeu que ela não estava lá. “Eu nunca dormi sem ter minha espada ao lado. Esse fato é muito estranho”, pensou preocupadamente.
A feiticeira tinha lançado uma
magia sobre o rei, impedindo-o de encontrar a espada. Então, percebendo que
suas vítimas não poderiam oferecer nenhuma resistência, o cavaleiro espectral
disse: Confutatis!, e sua pronúncia era hedionda e perversa, mas as suas palavras proferidas
eram ininteligíveis e nefastas para os ouvidos humanos. O Casal ficou imóvel.
Annabel, horrorizada, segurou o
castiçal, enquanto Guilherme levantava-se da cama. No entanto, o cavaleiro
cadáver não deu importância ao rei, com um golpe vigoroso, cortou o peitoral do
rei, que se não tivesse desviado, teria sido partido ao meio pelo golpe,
desferido de uma espada longa. Atordoadamente, Guilherme caiu no chão, inconscientemente, perdendo
muito sangue, enquanto o cavaleiro segurou forçosamente Annabel,
colocando-a sobre a sua garupa. Com um urro seguido de dizeres malignos, fez seu
cavalo arrancar alucinadamente até o imenso vitral do quarto, quebrando o
vitral banhado pelo luar, que dava para um penhasco. E desapareceu na noite, com
a rainha apavorada sob o seu julgo.
A perdição
Conta-se que nos dias subseqüentes
ao rapto da rainha Annabel de Liz, que o rei Guilherme caiu prostrado por uma
enfermidade misteriosa. Além de ter perdido muito sangue, quase vindo a
falecer. O rei agora agonizava sob os efeitos de uma febre intermitente. Seus
olhos ficaram opacos e sem vida. Sua força ia minguando a cada dia. Foi quando
os curandeiros do reino, convocaram o velho decrépito Seth. Este, com a ajuda
de um jovem aprendiz chamado Tracius, arrancou uma lasca do tronco de Gaia Domus, cujos fins medicinais até
então, eram desconhecidos por todos. Um ungüento foi feito e colocado sobre a
ferida no peito do rei Guilherme.
O período de convalescença foi
longo e aflitivo, pois Guilherme temia as maldades e torturas que, a feiticeira
na Floresta dos Trolls podia fazer a Annabel. Ainda muito desgastado pela doença e,
profundamente afetado por uma melancolia letárgica, Guilherme realizou um
conselho com Cipião de Valais e Tito Lívio, chefe da Guarda Real. As medidas a
serem tomadas foram, em sua maioria, abortadas, pois todos sabiam que o pântano
da Floresta dos Trolls tornava o lugar inxepugnável. Era praticamente impossível
montar um exército capaz de marchar pelas terras perigosas e longínquas do ermo
Leste. Caberia a Guilherme, e somente a ele. Ir até o covil da feiticeira.
Disse o sábio Seth:
- Outrora o teu progenitor veio
até mim buscando conselho. Então eu disse que fosse até o covil da maldade, e
de lá, ele nunca mais retornou... Esse espectro, que tu tanto procuras
enfrentar, é na realidade o cadáver do teu pai, o rei Hesdra. Um feitiço
proveniente de um pacto tendencioso, tornou-o essa criatura sem alma que hoje
anda a vagar pelos confins do mundo. – A expressão do velho era triste e
cansada quando disse isso.
- Não posso viver com medo,
velho Seth... – Disse o rei que, agora era novamente um homem infeliz e
distante.
Então, o rei negro ordenou que um destacamento de vinte cavaleiros fiéis e vigorosos, seguissem o seu patrono rumo a jornada da perdição até as terras assombradas da feiticeira. Teriam pela frente, uma longa estrada, com travessias repletas de seres sobrenaturais e, naturalmente, hostis aos homens e seus filhos. Começava agora, a última e, derradeira escolha de Guilherme, o Rei Negro.
Então, o rei negro ordenou que um destacamento de vinte cavaleiros fiéis e vigorosos, seguissem o seu patrono rumo a jornada da perdição até as terras assombradas da feiticeira. Teriam pela frente, uma longa estrada, com travessias repletas de seres sobrenaturais e, naturalmente, hostis aos homens e seus filhos. Começava agora, a última e, derradeira escolha de Guilherme, o Rei Negro.
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