A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte IV

O coração das trevas


Em uma floresta de fama hedionda, onde os homens mais corajosos de todos os reinos não ousam pisar. Numa clareira sob o luar. Em volta de árvores soturnas, sob o véu noturno. Invocações nefastas são proferidas, e lamentos ancestrais são gritados por vozes guturais. Corujas empoleiradas em árvores secas e retorcidas, chacais e tantas outras criaturas hediondas ouvem os cânticos macabros da feiticeira.

A morte caminha depressa:
Mais rápida, mais alta, mais forte.
Os sinos tocam em catedrais adormecidas,
Uma escuridão tumular se deita sobre a linha do horizonte.
Sem compaixão, sem misericórdia:
Vem a miséria a galope.
Assim é a existência dos homens:
Cheias de dor, tirania, vilania, sempre à espera de seu algoz.
Pois estes são os seus fardos.
O tempo escoa através da areia na ampulheta:
O tempo é voraz, implacável, mordaz.
Existências à deriva pelos tormentos do universo,
Destinadas à perecer:
Ao amanhecer jaz a sua fortuna.
Lembra-te de que vais morrer,
Lembra-te das palavras proferidas.
Isto quero, assim mando!

Pacta sunt servanda


Levanta-te, ó rei valente,
Levanta-te, ó rei imprudente.
O amor foi tua perdição,
Caminhais agora sem redenção.
Um algoz chamado saudade arrebenta teu peito.
Num conflito intermitente tu deves estar.
Um escravo agrilhoado por um pacto.
Guerreiro insepulto, tu és.
Por isso,
Cobro agora os serviços de tua alma, e de teu corpo corrompido.

Naquela noite fatídica, o cadáver do rei Hesdra foi invocado. Pois pactos antigos não podem ser desfeitos, ou refutados. Um espectro sem vontade, percorria as estradas do reino assombrando os viajantes, matando donzelas, semeando o caos nos domínios da cristandade. Esse era o fardo do cavaleiro cadáver.
Depois de proferir a sentença de maldição, a feiticeira da Floresta dos Trolls  colocou seu véu, e voltou para o seu covil, entre os pântanos e monstros noite adentro. Agora uma tragédia deve surgir no reino do príncipe negro. Nos seus aposentos reais, Guilherme, o Príncipe Negro, sente uma ferida fria, acompanhada de uma melancolia no peito, perturbando o sono do monarca sobre a colina.

Trevas sobre o reino.


No dia que se seguiu ao ritual de necromancia, uma nuvem sombria e pestilenta sobrevoou todo o reino. Uma onda de morte e devastação, varreu os domínios da Coroa. Muitos nobres vassalos ao Príncipe Negro sofreram duras retaliações da ira lançada e apregoada pela feiticeira. Então, a rainha Helena, que agora era uma anciã, cai de cama; alucinações tenebrosas, febre e visões pessimistas para o reino são previstas para o seu filho, Guilherme.
Já no leito de morte, ela chama seu filho:
- Medro e calamidade caiu sobre nossos ombros, estimado filho. Porém, não sucumbas ao ardil da feiticeira, pois o medo irracional é o algoz do homem sensato. Tu és sangue do meu sangue, filho do rei Hesdra, o Urso Cinzento, e como ele, tu carregas uma profunda melancolia. Talvez essa seja a razão de tantas tragédias sobre esta casa. – de modo resfolegante, a rainha falava. – E chega agora o crepúsculo da minha existência, então, faço-te meu último pedido: no sopé da Montanha de Neve, na Terra dos Gigantes de Gelo, há um portão de pedra, que barra o acesso ao cativeiro de uma donzela de renomada estirpe. E meu coração diz, que somente tu, Guilherme, o Príncipe Negro, será capaz de libertá-la dos tormentos infligidos a essa alma cândida, que tem vivido sob o julgo dos cruéis Gigantes de Gelo.
E eis que após essa mensagem, a rainha anciã sucumbiu às crises de febre intermitentes, e finalmente deixou sua morada entre os mortais.
Agora Guilherme era coroado rei. A coroa, e a espada deixada por seu pai, e o fardo, eram postos sobre os Rei Negro sobre a Colina dos Bruxos.
Triste foi o funeral e sepultamento de sua amada mãe, a rainha Helena, a Protetora. Os menestréis e trovadores do reino celebraram a temperança da rainha através de canções heróicas. Mas nem isso dissipou a nuvem, que pairava em torno da triste aura do monarca pesaroso.
Disse o Rei Negro:
- Forjarei uma escura armadura. Empunharei meu escudo enegrecido. A espada de aço de rubi será brandida novamente. Sob o elmo real, uma luz negra emanará, afugentando o mal, que sucumbirá. Meu espírito está voltado para as cordilheiras na terra dos Gigantes de Gelo. Selarei meu cavalo Spartacus, pois devo tomar o rumo das terras ermas e tenebrosas. Numa jornada obstinada, eu devo ir, fica o passado evanescente pra trás.
Na noite que se seguiu ao rito funerário, o Rei Guilherme partiu noite adentro. Cruzando florestas negras. Lutando contra duendes ardilosos. Deixou seu reino sob o comando do seu fiel Conselheiro Real, Cipião, de Valais.








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