A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte III

A guerra


É dito que no outono, logo após a partida do rei, uma tempestade de neve assolou todo o reino. Junto com a nevasca, vieram alcatéias de lobos, hordas de bárbaros das montanhas ao sul do reino. Aldeias e vilarejos foram infestados por hostes inimigas invocadas pela magia da feiticeira da Floresta dos Trolls. Foi por essa época, que a rainha Helena mostrou sua coragem e sensatez, ante o avanço impetuoso das hordas invasoras do reino. Helena convocou um conselho com os nobres vassalos mais fieis ao rei ausente, e orientada pelo mestre na tradição Seth, comandou um contra-ataque efetivo contra os inimigos que vinham, até então, impelindo as tropas do rei. Foram tempos frios e cheios de morte, àquele ano após a partida do rei Hesdra. Até que no final as hostes foram rechaçadas para longe.
Um dia, a rainha olha para a sua criança, o pequeno Guilherme. Percebe que era chegada à hora de enviá-lo para o mosteiro da Ordem dos Clérigos da Espada, pois, somente ali o jovem príncipe seria instruído para ocupar o trono de seu pai ausente. Então, secretamente, numa carruagem, foi despachado para o exílio, Guilherme. Anos de solidão e uma profunda melancolia acompanharam o regente no seu exílio. Sob a tutela dos monges guerreiros, lições de latim, estratégia e filosofia foram ensinadas ao jovem. Tarquínio, o Condestável, líder da Ordem, iniciou o príncipe nas artes da oratória, assim como no manejo de espadas, do arco longo, e a montar cavalos.
A volta do exílio


Guilherme, o Príncipe Negro, estava no seu décimo sexto verão, quando sua cerimônia de investidura foi anunciada. Seria investido um cavaleiro monge da Ordem dos Clérigos da Espada, portanto, deveria prestar lealdade e retidão aos ensinamentos presentes no estatuto da Ordem.
No dia da investidura, depois de horas de meditação, Guilherme recebeu o título da Ordem pelas mãos do próprio Tarquínio, o Condestável. Então, chega o momento do jovem príncipe partir. Guilherme, ungido pelos óleos sagrados, agora, é um cavaleiro de Cristo. Deve zelar pela fé, proteger os orfãos e viúvas, pois é um cavaleiro monge.
- Um homem deve saber domar suas emoções. Como um cavalo selvagem conduzido pelos arreios, tu deves conduzir teus sentimentos. Sem hesitar, sem agir com imprudência, tu deves sempre buscar a perfeição. Sua espada será de agora em diante sua lei. Sua armadura representará o corpo protegido ante as intempéries da vida. Agora, jovem nobre, assuma tua sina, que somente tu conheces pela vivência, e leva teu estandarte glorioso por todos os reinos distantes. Empunhando tua espada, teu dogma estará contigo. Agora, sela o teu cavalo e siga por esses caminhos desconhecidos, que a existência nos revela por enigmas. És agora, um cavaleiro monge! - disse Tarquínio.
- Ó Tarquínio, o Condestável. Um fardo eu carrego no peito. Devo seguir agora meu caminho, ora sombra, ora luz. Mas essa jornada que eu seguirei, cabe apenas a mim, segui-la! E como eu tenho pleno entendimento de que isso é pesaroso, mas não devo ver a vida com um olhar resignado. Devo cultivar o agora, transpor os males e abraçar a dor e o sofrimento, sempre sem a resignação. Apenas o "Amor Fati".
Depois disso, Guilherme o Príncipe Negro foi investido cavaleiro. Montou seu puro sangue cinzento de nome Spartacus, e partiu com seu escudo e espada, de volta para o reino que, era seu por direito. Uma história de saudade era reescrita naquele momento pelo príncipe, que mesmo não sabendo, levava o fardo de seu progenitor: Hesdra, o Urso Cinzento. A Saga da saudade tinha iniciado.
Ao chegar ao Castelo sobre a Colina dos Bruxos, o Príncipe Negro foi ovacionado por todos os súditos do reino. Fanfarras ressoaram por todo o castelo. Um banquete foi servido. Muitos nobres e donzelas da corte, apareceram naquela noite de festa. Helena, a rainha, então chamou o filho para uma conversa confidencial.
- Logo que tu partiste, um pesar se abateu sobre meu espírito. Havia perdido teu pai, e temia por ti. – Disse a rainha, e seus olhos estavam marejados. – Porém, agora vejo que um homem volta para a nossa casa. Ainda que tu tragas a tristeza nos olhos e nas vestes, prevejo um futuro glorioso para ti. Pois essa mesma tristeza que tu trazes sobre os ombros, será a causa de tua fortuna.
Então o Príncipe Negro assumiu o governo do reino que lhe era destinado. Suas medidas eram repletas de austeridade. Seus empreendimentos militares eram ambiciosos, e a vitória nunca o abandonara. Em poucos anos, seu império havia se tornado mais extenso, que o de seu pai. Mas muitos nobres da corte ainda se perguntavam sobre o paradeiro do rei Hesdra. Comentários ardilosos começaram a surgir por todo o reino, até chegarem aos ouvidos do jovem monarca. Procurando se aconselhar com o já decrépito Seth, como antes fizera seu pai, Guilherme foi advertido a plantar uma semente da árvore do Vale dos Reis, no grande Salão do castelo. Segundo o mestre na tradição, a árvore guardiã traria ainda mais bonança ao seu reino, e afugentaria as forças malignas da feiticeira na Floresta dos Trolls, diminuindo assim, as angústias do príncipe taciturno. 
Longa foi a jornada de Guilherme ,o Príncipe Negro, através do Vale dos Reis. Lutara contra lobos atrozes. Atravessara pântanos e cavernas ocultas até obter a tão cobiçada semente. Então, retornou para o seu reino sobre a Colina dos Bruxos. Plantada foi a semente, com esmero foi recebida pelos súditos do Príncipe Negro. Mas quanto tempo levaria até aquela semente vingar? Pois a semente que vinga em tempos sombrios, é aquela capaz de abraçar a vida em tudo o que esta lhe pode oferecer, seja dor, seja alegria.
Sentado em seu trono, Guilherme vivenciara longos verões se passarem. Angústias e delírios obscureceram sua mente, de modo que, quando já tinha passado por cerca de vinte verões, e a árvore já tinha começado a crescer lentamente, tornando-se uma muda, o Príncipe Negro resolveu tomar uma esposa para si. Mas muitas damas tinham medo do monarca, corriam histórias tenebrosas pela corte sobre Guilherme e, sua maldição de tristeza. Histórias sobre o parentesco do Príncipe Negro com a velha feiticeira, relatos sobre magia negra e tantos outros sacrifícios ocultos, povoam as lendas em torno dos líderes daquele reino.



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