A Saga de Guilherme, O Príncipe Negro.
Sobre como essa história chegou até mim
Esse é um relato que nos é
familiar. É da natureza das velhas histórias contadas pelos sábios de todos os
reinos do mundo conhecido. É uma narrativa sobre os acontecimentos de tempos
ancestrais, mas que agora estão legados apenas aos corroídos pergaminhos existentes nos
mosteiros da ordem de São Tarquínio, o Condestável. Como uma história tão singular
chegou até os ouvidos de Amadeu, o bobo da corte do Reino de Árvore e Folha, eu
não saberei explicar. O mundo em que certo dia deparamo-nos, quando procuramos
entendê-lo em sua plenitude, é na verdade uma sucessão de fatos obscuros e de
mal-entendidos. Matemáticos, alquimistas e tantos outros mestres na tradição
já tentaram compreender ou decifrar as leis que regem esse universo caótico. Portanto, não
serei capaz de abarcar todos os conhecimentos do mundo para relatar ao leitor
os rumos dessa vida, esses rumos capazes de explicar como a Saga de Guilherme,
o Príncipe Negro foi apresentada naquela tarde fatídica no Salão Real.
Árvore
e Folha
Num reino onde as construções arquitetônicas
eram todas referenciadas nas florestas, bosques e montanhas. As tonalidades
esverdeadas predominavam por todas as imediações do Reino. Existia uma
tradicional família de monarcas que devotava seus corações e seus espíritos em
reverência a natureza – em especial, às florestas e seu brilho verde. Diferentes
nuances de verde cobriam as catedrais do reino, as vestes dos monarcas e de
seus súditos, assim como cobria os burgos e os castelos da cidade daquele
reino.
Era a figuração onipresente das
forças ancestrais de Gaia – que segundo as lendas contadas pelos bardos do
Reino de Árvore e Folha, eram as árvores, as progenitoras da estirpe dos
monarcas daquele reino longínquo.
A tradição oral prevalecia no
Reino de Árvore e folha, tudo era redigido, antes de tudo para
ser lido em voz alta, ou então para ser cantado. Os bandolins e alaúdes celebravam
por meio do habilidoso dedilhado dos músicos do reino, uma união precisa e
inteiramente harmônica entre os versos metrificados que descreviam os fatos
acontecidos, que viravam memória, que se tornava uma história cantada; tão rica
e peculiar como tudo naquelas terras esverdeadas.
No Castelo Real, uma imponente
árvore chamada pelos estudiosos na tradição de Gaia Domus, residia na parte central do majestoso salão dos
monarcas. Seu tronco hercúleo e nodoso, assemelhava-se as mãos de um ancião, um
iniciado nas artes naturais. Liquens caiam de sua copa como as barbas de um
velho druida. Dos seus inúmeros galhos, pássaros cantavam cânticos saudosos,
canções do exílio, num tempo há muito extraviado, quando as árvores e os
animais podiam falar com os homens. Do farfalhar das folhas de Gaia Domus, narrativas de profunda
sabedoria eram proferidas silenciosamente, sendo audíveis apenas aos mais
concentrados. Tamanha sabedoria emanava da árvore ancestral, que os reis, no
momento em que estivesse se sentido indecisos, quando suas mentes escureciam-se
de dúvidas, sempre eram aconselhados pelos sábios do reino, para que eles
buscassem sanar suas inquietações e angústias, buscando se aconselhar com o
farfalhar do velho Gaia Domus.
As festas sazonais, os ritos de
passagem, tudo girava em torno da figura mítica de Gaia Domus, o principal alicerce
do Reino de Árvore e Folha, principal baluarte contra as hostes inimigas.
Sobre como a Saga foi contada.
Certo dia. No Salão Real, o
infante Miguel II,do ramo dos Urzais, num dia de tédio, quando os seus súditos,
e os seus brinquedos reais não mais satisfaziam o seu ânimo, que declinava
vertiginosamente, teve uma ideia extravagante. Todos os seus súditos no Castelo, foram impelidos a difícil
tarefa de satisfazer as vontades cada vez mais exigentes do infante. Então, o
infante Miguel, num acesso de aborrecimento, ordenou que seu pajem lançasse um
aviso por todos os confins do Reino de Árvore e Folha, para que viessem artistas
dos mais variados estilos, tentar entretê-lo. Aquele que alcançasse o mérito de
prender sua atenção, o infante lhe presentearia com um baú de ouro reluzente e, um brasão aristocrático. Mesmo
tendo sido alertado pelo seu pajem que, ele estava tomando medidas demasiado
dispendiosas, o garoto não voltou atrás, mesmo sabendo que, quando seus pais
voltassem dos Reinos Outonais, ele seria severamente castigado por suas manhas.
E foi assim, no meio desse
intervalo de tempo, que o jovem infante Miguel começou a brincar de ser rei. Dada
a convocação feita com o Selo Real e pregada em todos os vilarejos e cidadelas
juramentadas ao Reino de Árvore e Folha, muitos foram os candidatos ao cobiçado
prêmio oferecido pelo jovem rei. Foi por esse curto mandato despótico, que dom
Miguel II ordenara aos seus pajens para vestirem-no com o manto de tecido
esverdeado, adornado com arabescos semelhantes a raízes, foi quando ele passou
a portar o Cetro Real, um cajado de carvalho com uma esmeralda verde incrustada
em sua ponta.
No dia em que as apresentações
foram iniciadas, o Salão do Rei foi invadido por uma fila de artistas que
vinham se apresentar diante do rei. Saltimbancos, artistas circenses, mágicos e
tantos outros homens talentosos tentaram conquistar a atenção e o entusiasmo do
jovem rei. Por três dias, essa procissão de candidatos se apresentou diante de
Miguel II, que sentado no trono – vale ressaltar que, o trono ficavam embaixo
de Gaia Domus – dizia com enfado: “Guardas! Levem esse infame para longe daqui, pois seu espetáculo me aborrece.”. E assim
o jovem rei ia se tornando ainda mais arredio até, o dia em que, um bobo da
corte, um sujeitinho de andar cheio de trejeitos, de barriga saliente, e
vestindo uma roupa justa toda xadrez de branco e vermelho, se apresentou no
Salão Real. Seu sorriso era indolente. Sua indumentária contrastava com as
cores do Reino de Árvore e Folha. Então o bobo da corte fez seus números que em
nada impressionou o jovem rei. Entretanto, no momento em que a Guarda Real
levava o pobre diabo para fora do Salão Real, o bobo gritou:
- Larguem-me, seus brutamontes.
Eu posso não ter conquistado a atenção de Vossa Realeza, porém, eu ainda tenho
um truque na manga! Hahaha! Ah, tenho sim! Eu sou um único nesses quatro cantos
da civilização que ainda conhece a história do Príncipe Negro! Sei sim!
No meio desses berros, o bobo
conseguiu atiçar a curiosidade do jovem monarca, fazendo-o ordenar que os
guardas soltassem o bobo.
Como o bobo da corte era um
sujeito debochado e atirado, disse que só iria contar a Saga do Príncipe Negro,
somente depois que lhe servissem uma taça de licor de pêssego, e lhe dessem uma confortável cadeira para se sentar. Miguel II, é claro, estava com uma imensa vontade de ouvir
a história de um nobre cujos feitos, no imaginário de todos os Reinos do mundo,
remetia a uma história de contos de fadas, acabou fazendo concessões para que o bobo contasse sua história. No entanto, o reizinho foi logo estabelecendo os
termos, arrogantemente:
- Você ficará imbuído de contar
essa história com uma riqueza de detalhes, que, seja capaz de me divertir, ou
prender minha atenção por no mínimo umas duas horas, caso o contrário, mandarei
a Guarda Real levá-lo até as masmorras desse Castelo. Será mandado para onde o lodo e os
grilhões farão você definhar miseravelmente. Onde a luz do sol não chega, onde
o frescor e o aroma das árvores do nosso Reino não poderão ser sentidos. Essa será
sua pena, caso ouse agir com insolência.
- Eu não estava blefando. –
Falou com um certo deboche, o bobo. – Vossa Majestade irá agora ouvir um relato
nunca proferido antes por essas terras... Ah, isso eu tenho certeza que sim. Hahaha.
Enquanto o bobo da corte
contava a história por horas a fio. Tanto os membros da Guarda Real, quanto os súditos do rei,
encheram-se de uma curiosidade imensa. Do alto, Gaia Domus ouvia a história do Rei dos Bruxos. Relembrando eras imemoriais para o entendimento dos homens.
Continua...
Sensacional
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