A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte II
A espada forjada no raro aço de rubi. |
O herdeiro
Por longos anos o seu reinado
foi se expandindo. A fortuna acompanhava-o por todas as batalhas. Muitos foram
os reis que tombaram ante a impetuosa ira de Hesdra, o Urso Cinzento. E agora
Hesdra tornara-se um homem de idade avançada, sua longa barba antes negra, ficara grisalha, seu fardo nunca fora extinguido. Então o rei decidiu tomar uma
esposa para si, pois um rei necessita perpetuar sua estirpe guerreira. Tendo casado após um cerimônia gaudiosa, sua rainha concebe à luz ao seu herdeiro, que recebe o nome de
Guilherme, o Príncipe Negro, pois, nascera numa noite tempestuosa, quando os
raios cortavam as nuvens, e os trovões rompiam os tímpanos, somando impressões místicas em torno do nascimento do jovem nobre.
Agora há que se contar que, o rei
glorioso ainda era atormentado por um tremor e temor. A medida que seu reino
se tornava mais vasto, suas crises de melancolia, e os devaneios, vinham mais
fortemente. Seus êxitos no campo de batalha não foram capazes de apaziguar seu espírito
tumultuado, então, o rei vai se aconselhar com o mestre na tradição de seu reino,
Seth, o alquimista.
Numa conversação secreta, o ancião recomenda que o rei vá até a feiticeira da Floresta dos Trolls,
num território maldito, ao leste do reino de Hesdra. Pois somente ela poderia
desvendar o mistério que tanto o inquietava. Pela primeira vez, o rei Hesdra, o
Urso Cinzento sente medo.
- Isso é loucura. Não posso ir
até aquelas terras nefastas. Onde trolls, duendes ardilosos, e magos
inescrupulosos vivem. Seria uma jornada suicida. – Disse o monarca.
- Meu senhor, muitas são as
veredas dessa vida. Por caminhos tortuosos nós devemos seguir, ora trilhando
sombras, ora trilhando luz. No seu caso, sua vida está agrilhoada secretamente
a algum fardo de natureza oculta para mim. Um espírito pestilento parece
segui-lo desde o seu nascimento, e talvez, isso explique o seu sucesso nos
inúmeros empreendimentos militares...
- Tu queres dizer que sou
amaldiçoado? – Ah, mas tanto são os enigmas lançados pelos mestres na tradição!
Ó, sábio Seth, não me mande até o meu algoz, pois eu sinto que dessa batalha,
eu nunca mais irei retornar.
- Sua sina é ir além das
fronteiras do mundo conhecido pelos homens sensatos. Agora, aceite sua sina, e
vá até a Floresta dos Trolls, cruzando as terras do gigantes de gelo, e tantas
outras adversidades tu terás que enfrentar.
Então, o rei Hesdra deixou seu
filho, Guilherme, e sua esposa sozinhos, no reino que ele havia erigido a tanto
custo. Designou o comando do reino sobre a Colina dos Bruxos, para sua esposa. Agora
a rainha Helena, deveria assumir o trono, comandando todo o senhorio do rei,
assim como, os tratados de suserania e vassalagem, firmados por seu esposo.
Hesdra partiu rumo às terras desoladas no ermo leste. Por trinta dias, e trinta
noites, vagou como um andarilho por entre vales, montanhas e prados distantes, sempre sem ser reconhecido pelos transeuntes. Para
trás, o rei Hesdra deixou sua coroa. Levava agora seu fardo. Uma espécie de
culpa, devorava seu espírito, e ele buscava uma redenção em lugares
inesperados. Pois como dizia um sábio do reino: "Em tempos de paz, o homem guerreiro se lança contra si mesmo."
A feiticeira
E, passado um tempo, Hesdra encontrou o covil da feiticeira. Ficava no coração da Floresta dos Trolls, um lugar
de vegetação fechada, onde os corvos e corujas prenunciavam atos sórdidos de
maldade através de seus sons agourentos.
A casa da bruxa era feita de
madeira. Um lodo pestilento pairava na atmosfera do lugar. Um cheiro de corpos
em putrefação emanava dos pântanos da Floresta em volta. Então Hesdra bateu na
porta de madeira enegrecida e podre. Bateu vigorosamente até que, a porta abriu-se sozinha. Deduzindo que era para entrar, ele foi adentrando com cautela
nos aposentos, cheios de malícias e ódio. Olhou os livros de feitiços, viu
candelabros e mais candelabros enferrujados por todo o recinto, até que um
vulto furtivo apareceu atrás dele. Era a feiticeira da Floresta dos Trolls, ao contrário do que Hesdra imaginara, era uma mulher formosa, e de gestos
graciosos de uma cortesã.
- Mesmo com todo o seu temor,
você veio até aqui. Realmente, o relato dos seus feitos épicos que chegaram até
mim por meio do sussurro das árvores, não é uma mentira. Você é corajoso...
hummm – a feiticeira foi analisando o visitante com seus olhos de gata astuta. –
Mas você não é tão prudente assim. Veio para minha casa sem nenhum artefato que
pudesse lhe proteger das minhas artimanhas.
- Vim pela indicação do sábio
Seth, um renomado mestre na tradição de meu reino.
- Eu sei, eu sei... Vamos
evitar comentários dispendiosos. Conheço toda a sua história, Rei Hesdra, o
Urso Cinzento, Rei sobre a Colina dos Bruxos. Reconheci você nas sua vestimenta
de andarilho, logo que, entrou nessa floresta. – Enquanto falava, um brilho
hediondo emanava dos olhos da feiticeira, revelando um saber místico oriundo do seu interior.
- Então tu sabes o meu fardo. Meu
mal secreto.
- Sim, sim. E isso se chama “saudade”,
você, e todos os seus herdeiros foram amaldiçoados com esse sentimento. Sob
todos de sua estirpe, esse mal cairá como uma rocha que esmaga uma formiga. Por isso, apesar de todos
os homens sentirem “saudade”, apenas você e seus descendentes são agrilhoados a
uma profunda melancolia. As profundas solidões noturnas, e todo esse pessimismo
incolor serão para sempre, o algoz dos homens de sua estirpe. Essa maldição está além dos meus poderes, apenas posso amenizá-la.
- Essa sensação de um vazio
incolor e nefasto eu conheço desde sempre, porém, como não posso me livrar
dessa maldição, poderia eu, entregar minha alma e meu corpo para ti, em troca
da redenção dessa moléstia que cobre como um negro véu, meu filho? – Disse decididamente
o rei, pronto a um sacrifício.
- Você me oferece sua exígua existência
para que eu retire a tragédia de sua casa, porém, sua oferta é muito pouco
tentadora para mim. Entretanto, como estou sem servos, tomarei seu corpo e sua alma
para, que sejam meus servos. Em troca, seu filho será emancipado da “saudade”.
As duas partes entraram em
acordo. A feiticeira tomou a existência de Hesdra para os seus planos nefastos,
mas não cumpriu plenamente o acordo, pois era trapaceira e maliciosa em demasia
para levar os termos do acordo com fidelidade. E foi assim que, o nosso rei,
Hesdra, deixou seu corpo e alma, na casa da feiticeira, buscando salvar o filho
de uma vida de angústias e tormentos provenientes de uma melancolia perniciosa
chamada de “saudade”.
Então Guilherme, o Príncipe
Negro, herdou o fardo de seu pai, e o ódio da feiticeira da Floresta dos
Trolls.
Continua...
Continua...
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