O conto da Estrela do Oeste

A um castelo o levarei


Havia um "castelo do mar", assim era chamado pelos viajantes que o avistavam. Há muito tempo ele tinha sido construído na beira de uma falésia. Brancas eram as suas muralhas, azul escuro era o seu imenso portão de madeira. Suas torres majestosas, ao anoitecer, eram iluminadas pelo brilho febril de inúmeros archotes. Visto de longe, o Castelo na Falésia do Oeste,  era tido como o reduto de homens de bem, de cavaleiros honrados.
Nesse castelo, reinava o rei Sadoc, Mestre da Casa do Cruzeiro Ocidental. Sua esposa, a bondosa rainha Helga, descendia da Casa dos Cervos do Bosque do Norte do Mundo.

Um sonho

Arte de John Bauer.

É contado que, numa noite outonal, a rainha Helga sonhou com um grande alce andando vagarosamente por uma floresta de pinheiros. No sonho, o alce trazia uma menina de cabelos prateados e vestindo um vestido branco, montado sobre o seu lombo. A menina disse-lhe no sonho: “Do teu ventre nascerá uma luz de poder. Seu brilho será cósmico, como a longuinqua estrela do universo. Essa criança terá um fogo voraz, capaz de queimar os que a cercam, pois seu propósito é grandioso. Do teu ventre, sairá um ser de índole tenaz e guerreira.” E como é costume no mundo enigmático dos sonhos, a menina e o alce, evanesceram nas brumas do mundo onírico.
Na manhã seguinte, a rainha Helga acordou com resquícios do sonho, mas não deu importância, passando a ocupar sua mente com tarefas do seu cotidiano no palácio. Então, o rei Sadoc, naquele mesmo dia, partiu para uma caçada no seu bosque senhorial. Ao retornar da caçada, falou na mesa de banquetes:
- Parece peculiar, mas hoje nós caçamos um enorme alce, bicho de magnífica envergadura. Um animal esplêndido, assim diria. Nunca tinha visto um alce no bosque onde costumeiramente, caçamos. A priori, hesitei em abatê-lo, pois o animal não era arisco, impedindo-me de ver nele uma caça honrosa. No entanto, Booz, meu escudeiro, com esse fervor da juventude, acabou sacando uma flecha de sua aljava, e carregando o arco, finalmente, abatendo o pobre animal.
Ao ouvir o relato do marido, a rainha empalideceu, agora, recordando claramente do sonho que tivera. Porém, guardou suas inquietações para os seu travesseiros.
Depois disso, a rainha descobriu que estava grávida. Grande foi a alegria do rei Sadoc, pois como era de se esperar, ele, há muito tempo, almejava ter um varão que o sucedesse no trono. E todos os vassalos exultaram de alegria ao ouvir o anúncio da concepção do herdeiro.

A Estrela do Oeste

Arte de John Bauer

E, quando chegou a hora da rainha parir o varão dos Castelo na Falésia, descobriu-se que o bebê tão aguardado, era uma menina. O semblante do rei Sadoc pesou sob a pressão de um duro fardo, e desanimou-se. A rainha Helga, ainda cansada do trabalho de parto, sentenciou:
- Que triste flores traz o destino para essa criança que acaba de nascer. Mal nasce, e já sente o peso do seu sexo, oprimido e esquecido. Penosa é a vida de uma mulher, sua história não é descrita pelos livros dos cronistas, seus sentimentos, suas convicções, em nada se assemelham às dos homens... Porém, criança leve e pura como a brisa marítima, tu deves alçar o vôo de uma livre gaivota. Teu destino é lutar. Clarice será o teu nome, a Estrela do Oeste, a voz da liberdade.
Dir-se-ia que o rei Sadoc, muito se entristeceu com a constatação, entretanto, como era um homem bom, tratou de desde a mais tenra idade, instruir zelosamente a sua filha nas artes e nas ciências da escrita, de modo que, com o passar das estações, Clarice foi crescendo em sabedoria. Com o passar do tempo, tornara-se uma menina, cuja postura era norteada pela razão e sensibilidade, pois era uma criatura singular, entre as damas do seu reino.

O Lobo da Estepe

Arte de John Bauer

Há que se contar que, no seu décimo quarto terceiro verão, Clarice, perdeu o pai. O rei Sadoc, teve sua vida ceifada pelas lâminas da espada do rei Salatiel, o Lobo da Estepe, como era chamado por todos, pois era implacável nos combates e, de índole ambiciosa e destruidora. Salatiel iniciara uma invasão com suas hordas, ao reino do pai de Clarice. Como é de se imaginar, Sadoc reuniu seus valorosos cavaleiros e castelões, e travou uma árdua luta contra as hostes inimigas rechaçando os invasores até onde eles tinham vindo. Conseguiu, durante a batalha, cortar o olho esquerdo do seu algoz, mas, ao fim, foi morto em combate.
Então, veio a crise da sucessão dinástica, pois o rei Sadoc na deixara nenhum herdeiro homem, e segundo o direito dos monarcas, a rainha deveria se casar novamente, pois o trono não poderia ser governado por uma mulher. Sabiamente, a rainha Helga, pediu um prazo a assembléia dos nobres, alegando que seu leito conjugal nunca poderia ser ocupado por outro homem. Como solução, ela designou que, sua filha, fosse enviada temporariamente até o Reino dos Argonautas, onde Clarice iria se casar com o jovem príncipe Azor.
Depois dessa decisão arbitrária, Clarice se enfureceu, pois detestava a ideia de casamento com alguém que lhe era totalmente desconhecido. Mesmo consciente de que era um casamento diplomático, a jovem princesa relutou a decisão.
- Mãe, sei que essa medida foi necessária, mas ela não é justa. Como pode alguém viver sem ter o arbítrio, ser dono da sua própria vontade? Por acaso, eu não poderia ser investida cavaleiro do nosso reino? Por que, às mulheres é legado os bordados e as fofocas de uma cortesã?
- Querida, quero que tu saibas que a nossa existência é um constante conflito de vontades. Nasce uma vontade no meu pensamento, e ela é sobrepujada pela força das vontades já presentes nesse mundo... Assim é a vida, e com as mulheres, esse fardo é maior, pois somos tolhidas de muita coisa.
- Mas não é essa a vida que eu desejo para mim.
Clarice, a Estrela do Oeste, tinha o espírito forte e determinado. Com o anuncio do seu casamento, ela viu o conseqüente fim das suas aulas de equitação e esgrima, aulas que ela tanto adorava. Viu os livros do acervo dos cronistas do reino, ser privados dela. Viu sua vida ser reduzida ao silêncio de uma mulher submissa.

Clarice, a Estrela do Oeste. Arte de John Bauer.
























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