Sobre laranjas e o passado
Natureza morta com cesta de laranjas. Van Gogh. |
De uns tempos
para cá, voltei a ouvir mais o que as outras pessoas tem a dizer. Cada um com
suas estórias, suas vivências. Confesso que gosto de ouvir os relatos da minha
avó materna Marise, especialmente sobre o meu bisavô, o sr. “Cici” de Castro,
como ela gosta de se referir a ele, toda orgulhosa.
Foi numa dessas,
após eu acabar de comer o meu almoço, enquanto eu ia até o jardim da casa, que ela
começou a contar uma dessas estórias do meu “biso”, o Cici de Castro.
Enquanto eu me
sentava, à sombra do alpendre da casa, entre espadas de São Jorge e
samambaias, descascava uma laranja de cor meio amarelada. Após chupar a laranja,
eu disse:
- Essa laranja
não estava lá essas coisas...
Ao ouvir isso,
minha avó disse:
- Laranja boa
eram aquelas que papai trazia de Pedreiras. Lembro que ele trazia umas sacolas
de couro abarrotadas delas. Como ele trabalhava de coletor de impostos, as
pessoas no interior davam laranjas de presente.
Então eu
perguntei, querendo saber mais sobre a vida do biso Cici de Castro:
- Essas laranjas eram
chamadas de laranja da China, né?
- Sim. Mas não
tinham só essas. Eram laranjas boas, grandes. Mesmo na época do “Boi não berra”,
o teu pai já tinha uma pequena plantação dessas. Chegava na época da colheita, o
pessoal do povoado encomendava em milheiro para o Chico.
Aqui cabe explicar
ao leitor, que o “boi não berra”, foi uma pequena propriedade rural que meu avô
paterno, o Chico Doca, tinha. Por alguns anos foi uma propriedade relativamente
próspera para os parâmetros da agricultura familiar maranhense.
Pois bem,
retomando ao assunto, após dizer isso, minha avó meio que deu de ombros,
soltando um suspiro:
- Foi uma época
boa. Não volta mais..., mas obrigado meu Deus por ter vivido isso tudo.
E já foi emendando
com o assunto do meu biso, o Cici, dizendo que ele tinha ajudado a construir o
mercado central de Pedreiras, no tempo em que era coletor de impostos por
aquela região.
Cici de Castro
deve ter sido uma figura interessante. Mulato de pele clara, como minha vó diz,
ele era careca. Havia mutilado um dos dedos ainda quando era rapaz, trabalhando
em uma fábrica. Individuo desenrolado, conseguiu fazer amizade com os “Archer”,
que eram os brancos ricos de Codó.
Deste modo, tendo
sido apadrinhado pelo político Sebastião Archer, Cici de Castro ascendeu
socialmente, por assim dizer. Foi nomeado coletor de impostos, um cargo que à
época, independia de concurso público, e hoje seria algo parecido com auditor
da receita do Estado.
Casou-se com uma
prima, Zilfa Pantoja, uma mulher “branca”, cujo sobrenome, segundo narra minha
vó Marise, tinha origem portuguesa.
Então o casal
teve quatro filhos: Antônio, que era o mais velho, Marise, Iêda e Ayrton.
O que eu sei
desses dois fica para outro relato, afinal quero falar mais um pouco do meu
biso Cici de Castro...
Tem uma estória
engraçada dele, contada pela vó Marise, que é a de que, quando ele pegava trem,
com medo de cair fuligem na sua careca, ele pegava um lenço do bolso, fazia nós
nos quatro pontos do lenço e usava como chapéu.
Esse era o Cici
de Castro.
Esse texto, escrito de forma tocante, emocionante, remeteu-me a uma época muito boa da minha vida, como bem disse tua vó Marise, minha mãe. Tua escrita, amado sobrinho e afilhado, descreveu com exatidão um pouco da minha história.
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