Ano 3000







Estamos no ano 3000 depois de Cristo. A civilização evoluiu cientificamente a ponto do ser humano ter alçado, na categoria da evolução biológica, o status de um aglomerado de super primatas que compartilham de uma miríade de símbolos e códigos organizacionais chamado de sociedade ultramoderna. Doenças tidas agora como primitivas, tais como a AIDS, câncer, ebola, por exemplo, foram extirpadas, dado o elevado grau de avanço da medicina. A ciência venceu a morte; hoje um ser vivente só deixa a vida por meio do crime de homicídio – as prisões foram abolidas após a constatação de que eram instituições falidas e demasiado perniciosas para o encarcerado, passando, assim, a serem substituídas por planos de supressão de memórias do delinquentes – ou quando, já farto da mesmice e da monotina da vida, comete o suicídio assistido por seus pares. O impossível, nessa etapa da história humana – seria esta a última etapa? – tornou-se simples, fácil de ser resolvido. As viagens a Marte, e todos as demais expedições pelos confins do sistema solar, são agora como viagens de Nova Iorque a Inglaterra. O nacionalismo, o racismo e os partidos políticos foram suprimidos, pois, com o passar do tempo, notou-se o quanto eram nocivos à humanidade – o governo agora é formado por uma confederação mundial.
Mas um problema ainda persiste. Da solidão, no quarto do seu apartamento, enclausurado entre paredes metálicas e inteligentes, sem vida e sem expressividade, Pedro, habitante do complexo sul americano 231, no que hoje corresponderia ao país “Brasil”, tem os olhos presos, numa letargia, típica das pessoas de sua época, na tela azulada de um computador inteiramente holográfico. Na tela ele vê as notícias sobre os demais complexos: o complexo norte africano, com suas republicas confederadas; conversa com seus amigos de outros distritos sobre assuntos tão banais, e, por fim, pensa: “Alcançamos o paraíso perdido. Somos a geração que pôde viver em tempos de plena paz, na verdadeira acepção da palavra, não temos mais nenhuma doença que nos aflija. Mas e ai? Teríamos chegado ao fim da história? Estancamos aos termos chegado ao topo de tudo pelo qual nossos antepassados morreram para ter? isso não parece justo...”.
A situação de Pedro é um reflexo do que os seus demais contemporâneos viviam: um eterno vazio existencial. Aquelas velhas questões de “ser ou não, eis a questão”, velhos questionamentos, tão corriqueiros, mas que não encontram respostas nem soluções em provetas ou em tantos outros experimentos laboratoriais. O vazio que toda uma geração de afortunados passava não poderia ser sanado pelos homens da ciência. Então, fez-se necessário a utilização de válvulas de escape: o uso ponderado de narcóticos que retirassem esse peso dos seres humanos, e, para tanto, utilizou-se uma droga chamada de “propaganda” – o uso de drogas psicotrópicas, outrora tão usadas nos tempos primitivos da sociedade não poderia ser ressuscitado. A boa e velha alienação das ideias no plano fático, isto é, na forma como as pessoa entenderiam o mundo,agora, novamente, seriam condicionadas por propagandas de auto-ajuda e afins. Passaram a propagar a ideia de que, ninguém teria o direito de ser infeliz, haja vista que o momento em que se vivia era único na história universal.

Então, tal qual o cachorro que, conforme reza a lenda, ao ter sido confrontado pela raposa que havia lhe inquirido a razão dele viver na coleira, privado de liberdade,  e que este teria  respondido: “Porque meu amo me dá comida três vezes ao dia e me dá abrigo no inverno, privilégio que você não tem, mesmo sendo livre, seu animal selvagem”. E que por isso, passara a falar bem da sua coleira, tal qual, os seres humanos da sociedade ultramoderna passaram a exaltar sua felicidade desmedida.







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