Nota sobre a saudade.

“ Vai minha tristeza, e diz a ela que sem ela não pode ser. Diz-lhe numa prece, que ela regresse, porque eu não posso mais sofrer” Chega de saudade, de João Gilberto.

Retrato do dr. Gachet, de Vicent Van Gogh.

A saudade pode ser definida como um apego às permanências, uma pintura do passado que muitas vezes aparece tal qual um borrão, mas que, em contrapartida, pode ser tão nítida e real tal qual um vídeo que é reproduzido em loop pela nossa memória. Contudo, o cerne da saudade é, como fora dito, a permanência, é um apego ao imutável. O indivíduo que se encontra assolado por esse sentimento sente que, a experiência que outrora vivenciou foi boa, foi tão gostosa e agradável – como, p. ex.: uma lembrança de receber um afago do avô falecido – , que se ele pudesse estendê-la ad infinitum seria um bálsamo para a sua alma saudosista.
Conquanto a saudade seja louvada em versos pelos poetas, em músicas, obras literárias e artísticas nas suas mais diversificadas formas de expressão, a saudade é um sentimento reacionário, por assim dizer. Ora, esse apego ao passado, esse lamento por causa da impossibilidade de retornar aquela determinada época, é, no fundo, uma vontade de que as coisas nunca tivessem mudado, de que o tempo não tivesse escorrido pela areia, na ampulheta da vida. A saudade tem um pé firmado na imutabilidade das coisas e outro numa caixinha de memórias que – estranhamente – , surge nas longas e tediosas tardes de domingo, fomentando um vazio no peito.
Em suma, a saudade poderia ser compreendida como um apanágio daqueles que tiveram uma boa época em sua vida. Um tempo que não volta mais, porquanto o mundo marcha sempre para frente, pouco se importando para o saudosista, pois, independentemente do passado, a história universal marcha inexoravelmente para frente, indiferentemente.


“Chega de saudade, a realidade é que sem ela, não há paz, não há beleza. É só tristeza e a melancolia, que não sai de mim, não sai” Chega de saudade, de João Gilberto.




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