O oceano no fim do caminho




“Eu não tinha morado naquele lugar por muito tempo. Não parecia fazer parte do que eu era agora.” Pág.12

“Eu faço arte, às vezes arte verdadeira, e às vezes isso preenche os espaços vazios da minha existência. Alguns. Nem todos.” Pág.12

“Eu já estivera ali, não muito estivera, muito tempo atrás? Tinha certeza que sim. As memórias de infância às vezes são encobertas e obscurecidas pelo que vem depois, como brinquedos antigos esquecidos no fundo do armário abarrotado de um adulto, mas nunca se perdem por completo.” Pág.14

“Quando envelhecemos, ficamos iguais aos nossos pais; viva o suficiente e verá os rostos se repetirem com o tempo.” Pág.14

“Estava triste por ninguém ter ido à minha festa, mas feliz por ganhar um boneco de plástico azul do Batman. Estava triste por ninguém ter ido à minha festa, mas feliz por ganhar um boneco do Batman, e ainda havia um presente de aniversário esperando para ser lido: a coleção completa de As crônicas de Nárnia, que levei para meu quarto. Deitei-me na cama e me perdi nas histórias.

Gostei disso. Livros eram mais confortáveis que pessoas, de qualquer forma.” Pág. 18

“Eu ficaria aqui até o fim dos tempos, num oceano que era o universo que era alma que era tudo o que importava. Eu ficaria aqui para sempre.” Pág. 165

“– Nada nunca é igual – respondeu ela. – Seja um segundo mais tarde ou cem anos depois. Tudo está sempre se agitando e se revolvendo. E as pessoas mudam tanto quanto os oceanos.” Pág. 165




Um escritor deve ser antes de tudo: sincero. O manuseio das palavras deve ser natural como uma cena sucedida no real – e aqui, o real pode ser reinventado. Como uma recordação da infância, ele deve ser fiel quanto à sua sensibilidade. No caso de Neil Gaiman, é inevitável se deixar envolver por sua escrita genuína e sucinta. Algo que eu tenho aprendido através dessa longa jornada de leitor inveterado é que, os verdadeiros escritores são simples e diretos como um quadro expressionista. Suas palavras não podem ser vazias de sentido, assim como devem ser vívidas e rápidas, tais como as pinceladas de um pintor expressionista, que num átimo transparece suas emoções na tela.
E tudo isso é claramente perceptível no livro O oceano no fim do caminho. Um livro de recordações daquilo que, Casimiro de Abreu chamava da “aurora da minha vida”, isto é, a infância. Através do relato de um homem com os seus quarenta anos, cansado do fardo desgastante  dos compromissos de sua vida de adulto, Neil Gaiman, resgata para o deleite do leitor, por meio de uma retrospectiva viagem existencial, os fatos ocorridos durante a infância. Numa sucessão de páginas, o autor – figurado no homem maduro que retorna à sua cidade – relata os casos mágicos, que ele vivenciara no passado – as aventuras fantásticas com Lettie Hempstock, uma menininha  tão singular, quanto o  pequeno lago da propriedade das Hempstock, também denominado de oceano.
Não me atrevo a desvirtuar a obra de Gaiman com interpretações descabidas, ou com comentários dispendiosos, entretanto, penso ser necessário ressaltar a amplitude do título que o livro carrega. As expectativas fomentadas pelo título, não são frustradas pelo autor. Nem de longe, Gaiman frustra os leitores menos atentos às metáforas e todos esses jogos sutis. Pois o “oceano no fim do caminho”, é na realidade o mundo em si. São os rumos que nossas vidas tomam com o passar do tempo. É a serenidade há muito tempo esquecida, ou extraviada, que ficou na aurora de nossas vidas apressadas e atribuladas. O oceano fim do caminho é o viver, e viver. De novo.


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