A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte V

Na Terra dos Gigantes de Gelo



É dito que Guilherme, o rei melancólico, partiu até o ermo leste. Vagou por tavernas lúgubres, encontrou e enfrentou bravamente bandos de salteadores na estrada. Atravessou rios de correntezas rápidas e mortais. Conheceu senhorios distantes do seu domínio. Oculto por debaixo do seu manto marrom e puído, ele andou como um cavaleiro monge, relembrando os seus tempos na Ordem dos Clérigos da Espada, sempre cavalgando o seu cavalo Spartacus por terras inóspitas, sempre marchando obstinadamente rumo ao seu destino: resgatar a princesa aprisionada na  Terra dos Gigantes de Gelo.
Então, quando já havia chegado as imediações do gélido território dos gigantes, o cavaleiro monge tirou o seu manto que ocultava sua identidade, e continuou a cavalgar. Para trás, junto com a capa, ele tinha deixado o seu anonimato. Agora, ao combate seu espírito se voltava fervorosamente para o imenso deserto de neve que se projetava na sua frente, estendendo tempestades de neve sob a linha do horizonte, e pintando a desolada paisagem em tons de um branco silencioso. Um cavaleiro de armadura negra como a noite, cruzava a planície congelante das terras no ermo leste, logo após tantos dias de jornada.
Guilherme, o cavaleiro negro, recém empossado Rei sobre a Colina dos Bruxos, cavalgou por longos dias, e longas noites. Passou por caminhos onde os homens não ousavam passar. Seguiu sua silenciosa missão por entre as montanhas escarpadas do leste, assoladas por avalanches abruptas, até chegar diante do colossal portão de pedra do reino dos Gigantes de Gelo. Ao se deparar com construção tão medonha, lembrou dos seus tempos de infante, quando o sábio Seth lhe contava histórias de criaturas colossais que viviam em terras perdidas ao leste, falando que seu pai, Hesdra, o Urso Cinzento, havia sido o único homem a ter atravessado o reino dos gigantes.
Mas agora que Guilherme era um rei glorioso. General de um exército de arqueiros, de uma numerosa infantaria, e de cavaleiros exímios e valorosos. Agora, diante do majestoso portal de pedra dos Gigantes de Gelo, o cavaleiro negro percebeu que todo o seu poderio militar não era nada diante do poder das criaturas que moravam por aquelas terras gélidas.
Cercando o portão de pedra, uma imponente muralha coberta de neve fundia-se com as montanhas de gelo de ambos os lados, tornado a passagem até o reino dos gigantes inviável para um reles mortal. Então, Guilherme lembrou-se da corneta do Rei sobre a Colina que lhe tinha sido entregue durante sua cerimônia de coroação. Puxou a corneta de chifre de touro, e soprou-a vigorosamente de modo que, um som impetuoso reverberou no portão de pedra. Uma porção de neve começou a despencar das muralhas, seguido do barulho de pés gigantes pisando no chão. 



Então, Guilherme, o cavaleiro negro, ouviu o portão ser ruidosamente aberto. Uma sentinela colossal apareceu diante dele, e inquiridoramente disse:
- Nesse lugar, onde a nevasca reina, homem nenhum deve ousar pisar. Nenhuma criatura de dimensões exíguas deve ousar entrar no Reino dos Homens de Gelo. Pois, somente aos sábios é concedida uma exceção. Agora, diga a razão de sua vinda até esse portão. Pois, sou Grond, e minha paciência se dissipa como uma fagulha de fogo sob a nevasca.
- Venho do Reino dos Reis sobre a Colina dos Bruxos. Um fardo, carrego junto a mim. Mas o motivo de minha vinda até aqui, é o de libertar uma princesa que foi roubada de seu reino.
- Homenzinho, você é insensato e insolente. Por acaso, você não sabe que uma donzela do seu povo é uma oferenda para os Homens do Gelo? Como você ousa afrontar a ordem das coisas? Pois ela é do Rei por direito, e não cabe nem a mim, nem a você, contestar a vontade do Rei.
- Não venho afrontá-lo, ó, gigante! Apenas quero resgatar uma alma inocente de uma vida no cativeiro. No entanto, se tu não deixares eu passar, dura será a nossa batalha.
- Hahaha! Um homenzinho tolo vem me afrontar diante da minha porta! – o riso do gigante era gutural e escarnecedor. – Se você almeja sucumbir sob o meu poder, então: iremos duelar!
Entretanto, Guilherme era astucioso o bastante para saber que um combate corpo-a-corpo com a sentinela, seria a sua ruína. Então, num átimo, ele gritou:
- Tu disseste que somente os sábios poderão atravessar o portão inexpugnável, então, eu lhe faço uma proposta: joguemos uma partida de xadrez, pois, somente assim combateremos um combate justo para os dois lados!
- Hum... Você é rápido nas decisões que toma. Certo, toparei esse desafio. Lembro-me de um homem que certa vez usou essa mesma tática... – E o gigante pensou por uns segundos.
Como o tabuleiro do Gigante era imenso para que Guilherme jogasse, a partida ocorreu com o cavaleiro negro ditando as suas jogadas para que, o gigante, Grond meche-se as peças no tabuleiro. Duro foi o embate, pois a sentinela havia mostrado ser arguto e perspicaz em suas jogadas, entretanto, após um longo tempo, Guilherme, sagazmente conseguiu vencê-lo. Conquistando não só a honra do gigante, como também recebendo o direito de ser conduzido até o Reino dos Gigantes de Gelo.

O reino dos gigantes


Agora é dito que Guilherme havia conseguido pisar onde nenhum mortal antes havia estado. Estava agora sendo levado pela sentinela até o majestoso palácio do monarca dos Gigantes de Gelo. Andou por ruelas imensas, viu casas gigantescas, era como se ele fosse uma formiga numa terra de titãs. Quando ele chegou ao palácio, uma construção arquitetônica soberba e imponente, que havia sido escavada nas entranhas da Montanha de Gelo, Grond fez um sinal para que ele adentrasse no salão do monarca. Sentado num trono de gelo, com a princesa sob o seu julgo, e acorrentada em correntes de cobre, lá estava o Rei dos Gigantes de Gelo. Duro e perscrutador era o seu olhar, era uma homenzarrão  de compleição robusta, até mesmo para os padrões dos gigantes. Então, o rei ordenou:
- Diga quem és tu! Nobre do reino dos homens. – E deu um puxão na corrente que prendia a princesa, até que ela chegasse mais perto dele. – Sei que tu queres conquistar essa donzela para ti, mas digo logo: desista!
A donzela acorrentada tinha um olhar contemplativo e distante, seus cabelos eram negros e ondulados, seu rosto oval e ao meso tempo harmonioso, lembrava uma jóia do oriente longínquo, trajava um vestido verde como um bosque; porém, tinha uma aparência pesarosa, e que muito acentuava sua beleza oriental. Guilherme sentiu um ardor inexplicável invadir-lhe ao vê-la diante de seus olhos melancólicos. Era como se agora ele encontrasse alguém que compartilhasse sua tristeza, alguém que tinha uma existência vaga e permeada de tons gris como ele.
- Rei dos Gigantes! Venho até aqui para resgatar uma filha dos homens, antes  não sabia ao certo os motivos que tu tiveste para raptá-la, mas agora eu sei. Ter a companhia dessa donzela junto a si deve ser a maior felicidade de um ser vivente. Isto eu posso perceber claramente. No entanto, o destino faz com que nós dois tenhamos que lutar por uma mulher tão bela como essa. – Então o cavaleiro negro brandiu sua espada de rubi, emanando o brilho mágico da lâmina da espada. O Rei dos gigantes ficou estupefato com o poder proveniente do artefato, pois uma aura irradiava da espada, envolvendo Guilherme de uma aura mística.
- Homenzinho, tu não podes ter essa princesa assim tão facilmente. Não basta que tu chegues com todo esse orgulho em meu reino, e venha logo reivindicando o meu tesouro mais precioso. Mas como eu posso ver com clarividência, tu carregas um fardo secreto, e nisso tu te assemelhas a um homem valoroso, que a há muito tempo esteve nesse salão, onde hoje tu estás. Seu nome era Hesdra, um homem bravo e honrado, porém, tão triste como tu és. Por isso, lançarei um desafio para que tu cumpras em menos de dois dias! Tu deves caçar um lobo do gelo do nosso reino, e depois deve trazer uma presa dele como prova de tua vitória. Somente assim tu terás aquilo que tanto almejas.
Naquele momento, Guilherme, o rei negro, viu que não lhe restava outra escolha além daquela. Aceitou o desafio. E foi levado por Grond, a sentinela, até a Floresta de Pinheiros de Orlum, o lobo invernal. É dito que, antes dele deixar o salão do rei, o cavaleiro triste lançou um olhar em direção a donzela. Um frio de morte pairava no ar por todo aquele reino.




Continua...



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