A Saga de Guilherme, o Príncipe Negro. Parte XV

A marcha até o Vale dos Espinhos


A batalha entre o exercito do Rei dos Bruxos e a Liga dos Reinos livres, ocorreu nas imediações do senhorio do Castelo dos Reis sobre a Colina, mais especificamente, no Vale dos Espinhos onde ficava a concentração bélica do rei Guilherme, o Rei Negro. Por meio do relato minucioso dos batedores enviados por Miguel Terra, o Monge Guerreiro, ficou-se sabendo da concentração de piqueiros, arqueiros e cavaleiros, todos convocados pelo Rei sobre a Colina dos Bruxos. Então, munindo-se da máxima de que, a melhor defesa é o ataque, as tropas da Liga iniciaram a derradeira marcha contra as hostes de Guilherme. Entretanto, astuciosamente, Guilherme já havia deduzido um possível ataque ao seu reduto de maldade.
Cavaleiros monges, investidos na Ordem dos Clérigos da Espada, cavalgavam à frente das tropas de camponeses, em sua maioria armados infantes e piqueiros, homens rudes e de formação militar precária, daí a razão dos monges encabeçarem as fileiras dessas tropas formadas pelo campesinato. Logo atrás, cavaleiros, cerca de duzentos e trinta, provenientes da nobreza dos principados da região de Valais e, tantos outros ducados, cavalgavam com um fervor quase tão religioso, quanto o dos monges guerreiros. Enquanto isso, Cipião de Valais fora designado Guardião Perpétuo do Castelo, pois seu patrono Guilherme, ficaria no comando direto das tropas de defesa do Castelo, logo abaixo da Colina, no Vale dos Espinhos. Entre os dois exércitos, animais de combate, e máquinas de guerra, como catapultas, eram lentamente levados em direção da batalha.
Tracius, o Mestre na Tradição que fora expurgado do seu reino, agora marchava entre a massa de soldados mal armados e amedrontados, em sua maioria, visto que a fama de feiticeiro implacável de Guilherme e, de suas criações hediondas, eram medos incrustados nas fileiras dos homens simples da Liga.
A colisão de Miguel Terra, organizada nos condados do Leste, por cerca de uma semana, marchou lentamente rumo ao Vale dos Espinhos. Tendo sido delegado plenos poderes terrenos ao monge Miguel pelo Papa Clemente II, este, estava imbuído de sufocar as hostes pagãs do monarca Guilherme e cortar assim, a cabeça peçonhenta da serpente. Então, munido dessa autoridade que conferia-lhe o cargo honroso de ser “O Principal Baluarte das tropas Cristãs contra o Mal sobre a Colina dos Bruxos”, Miguel Terra partira com o seu exército numa marcha determinada a extirpar o caos anunciado por Guilherme, contra a ordem da cristandade do mundo conhecido. Pois num mundo marcado pela coletividade, era inadmissível ver um monarca afrontando as forças espirituais do Papa, na Igreja da Sé, e clamando pela individualidade do seu ego torpe e maculado.

O rei dos Bruxos


Sentado no seu trono de sombras, imerso em pensamentos conflitantes, sob o olhar de Gaia Domus, estava o rei Guilherme. Outrora, um rei virtuoso e prudente, armado monge da Ordem dos Clérigos da Espada, cavaleiro solitário e de olhar triste e distante, agora, já velho e soberbo, ele olha de soslaio as sombras, o vultos de fantasmas do seu passado. Diz o Rei dos Bruxos:
- No amanhã está um reino desconhecido. Trevas e solidão sempre me acompanharam. Hoje sou um homem diferente do que eu  fui na juventude, mas os planos, o sonhos, as paixões, tudo é tolhido e moldado pela vida. Das inúmeras tarefas que me foram designadas, dos reinos longínquos que visitei, das cavalgadas com meu fiel cavalo, hoje, apenas guardo lembranças doloridas. Meu fardo, em idos da juventude, fora a causa da minha queda, porém, tornei-me um homem poderoso, apoderei-me de riquezas materiais, de serviçais, mas nada se compara ao conhecimento que conquistei. Esse é, sem dúvidas, o bom combate que combati. E disso tudo, não te esqueças, criança: a vida é um fardo. O homem que vinga, é capaz de sobrepujar a mediocridade da vil existência.
Essas divagações foram proferidas para a pequena gárgula, uma das inúmeras criações do rei. Enquanto afagava a cabeça escamosa do animal, Guilherme pensava no filho Frederico. Devia ele estar, verdadeiramente, pronto para manusear as artes ocultas que lhe foram ensinadas com tanto esmero? Somente o amanhã poderia revelar essa resposta, pois amanhã, seria, segundo uma estimativa sua, o dia da chegada das tropas da Liga. Das entranhas lodosas do castelo, lamentos, sons ruidosos e desagradáveis, eram ouvidos das masmorras onde criaturas maliciosas estavam aprisionadas. Todas elas, odiavam o seu criador, Guilherme, e ele tinha conhecimento da repulsa que sua presença imprimia nas suas criações macabras.



A Queda de Guilherme


No dia que se seguiu as divagações do Rei dos Bruxos, as tropas inimigas invadiram todo o Vale dos Espinhos. Pavilhões foram instalados, catapultas e carros de guerra cuja tração animal movia-os, foram carregados de arqueiros de mira letal. Tropas mal alimentadas e fatigadas, passaram um dia de descanso após sua chegada ao Vale, pois Guilherme permaneceu imóvel no sopé da Colina, ao que tudo indicava, a espera dos adversários. Então, quando os mensageiros de Miguel Terra voltaram decapitados do seu destino diplomático, então, a batalha memorável e trágica, teve o seu início.  A priori, as hostes de Guilherme foram duramente rechaçadas até não puderem mais revidar as flechadas e projéteis das tropas da Liga, entretanto, as já conhecidas arte ocultas de Guilherme, mostraram ser de grande valia, pondo em cheque os rumos da guerra. Montado num cavalo cinzento e de olhos sobrenaturais ( outrora chamado Spartacus), Guilherme invocou negras nuvens sobre o campo de combate. Seguido de raios e trovões, que afugentaram os camponeses, Guilherme fez corvos e lobos, sedentos de sangue, lançarem-se sobre as hostes inimigas por meio do domínio mágico. Foi nessa manobra militar que, o monge guerreiro quase sucumbiu ante trevas e caos, uma vez que, um lobo atroz atirou-se sobre as costas do virtuoso Miguel Terra. Porém, nem as artes nefastas do Rei dos Bruxos, foi capaz de deter a massa de guerreiros da Liga, provando que a supremacia numérica era, ainda, a melhor forma de sobrepujar as artes mágicas do Rei Negro. Então, já desgastado pelas suas invocações e cânticos ancestrais, Guilherme caiu em combate. Suas tropas foram cercadas pelos cavaleiros do Conde de Catão, Gusmão, o Implacável, como ficou conhecido na posterioridade por ter decapitado o Rei dos Bruxos, com um súbito golpe de espada. Dizem os servos no Castelo sobre a Colina, que as paredes do castelo e as bestas aprisionadas, romperam numa lamúria infernal em determinado momento do combate – poucos puderam inferir, mas a morte de Guilherme causara esse tremor nas criaturas hediondas, assim como arrebatara uma momentânea desordem e pavor nas tropas da Liga. Cavalos ficaram inquietos, homens tiveram alucinações e o céu negro rompeu em lágrimas, deixando uma chuva triste e sinistra, encharcar o campo de combate.



Fiat lux


Após a derrocada de Guilherme, o Rei Negro, Rei sobre a Colina dos Bruxos, outrora Príncipe Negro, e morto Rei dos Bruxos, começou o cerco do castelo. Miguel Terra, mostrando sua desconfiança quanto a fácil vitória, resolveu cessar o ataque das catapultas, que destroçavam as muralhas e torres da construção. Desse modo, um novo acampamento foi montado ao redor do castelo sitiado. Muitos ainda tinham medo de chegar perto da moradia do soberano das artes nefastas. Mas alguma medida deveria ser tomada, quando Miguel Terra estava sentado com seus aliados de combate, os marechais da Liga, um desconhecido andarilho, conseguiu desvencilhar-se da guarda pessoal do Conselho de Guerra da Liga, e manifestou sua identidade, e revelou seu plano de adentrar no castelo.
- Nem mãos fortes, nem a espera mais paciente, será capaz de abrir os portões do antro de maldade. Sou Tracius, aprendiz do sábio Seth, Mestre na Tradição do Reino dos Reis sobre a Colina dos Bruxos. Deixem-me terminar essa batalha derradeira.
- Por que deveríamos confiar num homem de fama obscura? – Disse Gusmão, o algoz do rei Guilherme. – Cabe a mim, e somente a mim, entrar com um pequeno contingente de cavaleiros naquele castelo, e encerrar esse infeliz episódio ocorrido na história do mundo.
- Acalme-se, Conde Gusmão. Vejo nesse homem um brilho, uma moral estelar, muito valorosa e esquecida até mesmo entre os mais nobres e honrados de nossa estirpe. – Disse Miguel Terra, o Monge da Espada Virtuosa, provando que não só no manejo da espada, como também nas decisões era um homem valoroso e prudente. – Deixemos esse homem fazer o que ele propõe.
Houve um rebuliço entre os nobres do conselho, entretanto, ficara posto em acordo: Tracius iria ser escoltado até o portão do covil do bruxo, onde iria negociar a rendição com Cipião de Valais, Guardião Perpétuo do Castelo. Quanto aos rumos que o conselho determinou ao príncipe Frederico, herdeiro do rei Guilherme, por hora, essa história deixa uma densa névoa sobre os subseqüentes acontecimentos em torno desse nobre.

A um castelo o levarei...


Cipião de Valais, com um pequeno contingente de soldados e sentinelas, recebeu o sábio Tracius no salão real. O ambiente era mórbido e desolador. Uma profunda melancolia pairava sobre o sábio na Tradição, que lembrava dos tempos áureos do Rei Guilherme. Lembrou como ele foi perdido e desvirtuado pelo ardil da feiticeira, recordou do fatídico episódio ocorrido na Floresta dos Trolls e, como este mudara a natureza taciturna e leal do nobre Guilherme. Agora, Tracius via apenas as ruínas e escombros da história. Sentia o tempo, indiferente aos reles mortais, e tudo isso o entristecia. Então, olhou Gaia Domus em sua plena soberania. A natureza permanecia, mesmo após os feitos heróicos e efêmeros dos mortais.
Quando os cavaleiros de guarda dos membros do Conselho da Liga adentraram no Castelo, logo após a investigação do castelo. As criaturas macabras foram trazidas à luz. Suas torpes existências foram fruto de medo e assombro, pois suas aparências e formas, eram sinistras. Ao fim, foram condenadas à morte por ordens expressas do Conselho. Os últimos servidores de Guilherme foram enforcados, e o livros de magia negra foram condenados à fogueira. Disse Cipião de Valais ao ser conduzir à forca:
- Queimem os livros, queimem o saber dos tempos pagãos, mas se esqueçam do tênue verniz cristão que cobre essa marca do profano sob suas vestes.






E aqui se encerra o relato de Amadeu, o Bobo da Corte do Reino de Árvore e Folha.











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